A bandeira vermelha, branca, verde e preta do Exército Sírio Livre tremulava sobre Damasco neste domingo, enquanto milhares de residentes se aglomeravam na praça principal em um sobressalto de júbilo desafiador, após o presidente Bashar al-Assad ceder seu controle sobre o poder. O que se presenciou nas ruas não foi apenas uma manifestação de alegria, mas a materialização da esperança de um povo que busca se libertar de décadas de opressão e violência.Ao longo dos últimos 11 dias, uma aliança rebelde avançou pela Síria em um desafio audacioso ao regime de Assad, levantando questões cruciais sobre o futuro da governança no país. Essa luta não é apenas um marco para a Síria, mas também ressoa fortemente em toda a região do Oriente Médio, refletindo nas aspirações dos libaneses, palestinos e sírios, conforme destacado por Firas Maksad, um destacado especialista do Instituto do Oriente Médio em Washington, D.C.

“Este é um momento monumental, não apenas para o povo sírio, mas para todos na região”, afirmou Maksad à CNN, enfatizando que há mais de cinquenta anos o regime, sob o lema de liberdade, unidade e socialismo, foi responsável pela opressão, tortura e desaparecimento de muitos cidadãos sírios. Agora, com o início do desmantelamento do poder militar de Assad pelos opositores, emerge a questão: será este o amanhecer que o povo sírio tanto espera, ou a perspectiva de um novo regime autoritário, mas com um viés sectário, no horizonte?

A transição de poder: um desafio extremamente complicado para os rebeldes

A oposição armada da Síria planeja eventualmente formar um governo delimitado por instituições e um “conselho escolhido pelo povo”, como declarou Abu Mohammad al-Jolani, líder figure da mais proeminente facção rebelde, Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), que anteriormente estava vinculada à Al-Qaeda. Essa ambição contrasta com um panorama em que a luta pelo controle sírio já havia dividido o território entre forças rebeldes e as de Assad, sendo que algumas destas contavam com o apoio de potências internacionais, como os EUA e a Turquia. No dia 27 de novembro, surgiu o “Comando de Operações Militares”, uma coalizão de milícias unidas por um objetivo comum: libertar áreas controladas pelo governo e depor o presidente.

Esse objetivo é ambicioso, pois se o sucesso se concretizar, Jolani anunciou que as forças da oposição formariam “um estado de governança, instituições e assim por diante”, uma proposta que suscita esperanças, mas também dúvidas sobre sua viabilidade. Logo após a queda de Damasco diante dos rebeldes do sul, o Primeiro-Ministro Sírio, Mohammad Ghazi Al-Jalali, prometeu cooperar com os rebeldes, garantindo uma “transição suave e sistemática das funções do governo” e buscando preservar “as instalações do estado”. Contudo, a implementação de um novo sistema governamental será um desafio dantesco a um “diverso grupo” de lutadores armados, segundo Jerome Drevon, analista do International Crisis Group baseado em Bruxelas. Ele observou que algumas facções são mais estruturadas e organizadas, como o HTS, enquanto outras são “entidades mais locais”, o que aumenta a complexidade do processo de governança que se desenha.

Preocupações relacionadas aos direitos humanos na nova fase da Síria

Enquanto os rebeldes avançam, o discurso carismático de Jolani também evolui. O líder, que se destacou como um jovem combatente da Al-Qaeda no Iraque, procura mitigar as sombras de suas raízes extremistas. Em 2018, os Estados Unidos designaram o HTS como uma Organização Terrorista Estrangeira e ofereceram uma recompensa de US$10 milhões pela captura de Jolani. O espectro da violação de direitos humanos persiste, pois milhões de sírios, incluindo membros de comunidades minoritárias, ainda carregam o fardo da perseguição de grupos extremistas como Al-Qaeda e ISIS. Grupos de direitos humanos acusaram o HTS e outras forças anti-regime de reprimir a população nas áreas controladas por eles, em especial nas províncias de Idlib, Homs Ocidental e Aleppo, torturando e abusando de dissidentes.

Jolani negou, em entrevista à CNN, que as violações em prisões fossem ordenadas por seu grupo, assegurando que responsáveis já foram punidos. No entanto, as promessas de contenção e respeito às normas humanitárias por parte de facções armadas não são suficientes, segundo Adam Coogle, diretor adjunto do Human Rights Watch no Oriente Médio, que afirmou que “eles serão julgados por suas condutas, não por suas palavras”. Em um comunicado transmitido pelo estado sírio, um comandante rebelde garantiu que “todas as seitas seriam protegidas”, aludindo a uma visão de que a Síria deve ser um espaço inclusivo para todos.

Porém, especialistas como Maksad alertam que a queda do regime de Assad pode representar um verdadeiro “perigo potencial” a comunidades minoritárias no país, incluindo grupos religiosos como Alauítas, Ismailitas, Druzas e Cristãos. Ele expressou preocupação com a presença de elementos mais islamistas dentro do movimento rebelde, principalmente em relação ao HTS, que continua sendo classificado como uma organização terrorista por diversos países.

Celebrações nas ruas: O clamor por um futuro melhor

Entretanto, nos corações e mentes dos sírios, a preocupação com o futuro foi eclipsada por cenas de comemoração e entusiasmo. Milhares de civis se reuniram na principal praça de Damasco, onde forças rebeldes invadiram a residência de Assad. “Após o medo que ele (Assad) e seu pai nos fizeram viver por tantos anos, não posso acreditar”, expressou Omar Daher, um advogado de 29 anos, à Associated Press. Outro residente de Damasco, Mohammed Amer Al-Oulabi, também não poupou elogios ao trabalho dos rebeldes, afirmando: “De Idlib a Damasco, levou apenas alguns dias, graças a Deus. Que Deus os abençoe, os leões heroicos que nos encheram de orgulho”.

Além das fronteiras, refugiados sírios que foram forçados a deixar o país pelo conflito expressaram esperançosamente o desejo de retornar a uma Síria pacífica. “Agradecemos ao nosso povo na Síria e aos livres, por nos salvarem da injustiça”, disse Wissam Ahmed, um sírio deslocado no Líbano. “Voltaremos à Síria, se Deus quiser, para reconstruir nosso futuro e nossos lares. A sensação é realmente grandiosa, não conseguimos descrever melhor.”

Os desdobramentos na Síria continuam a desenvolver-se, trazendo consigo a promessa de novos começos, mas também a sombra das grandiosas dificuldades que a nação ainda enfrentará em sua luta por um futuro mais justo e democrático.

Reportagem adicional foi contribuída por diversos jornalistas da CNN, incluindo Jomana Karadsheh, Eyad Kourdi e Raja Razek.

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