O que caracteriza uma bruxa, senão uma mulher poderosa que ousa desafiar as expectativas e as normas sociais impostas? Essa questão central se desdobra na recente adaptação cinematográfica de Jon M. Chu de ‘Wicked’, onde Elphaba, interpretada pela incomparável Cynthia Erivo, representa as dificuldades enfrentadas por muitas figuras femininas rebeldes ao longo da história. A personagem vive um ciclo de isolamento, julgamento e hostilidade, tendo como trágico ponto culminante a possibilidade de acabar queimada na fogueira, um desfecho muitas vezes associado a outras mulheres que desafiaram as convenções de sua época. Porém, essa narrativa clássica de resistência também encontra eco em obras modernas, como o novo romance ‘The Wind on Her Tongue’, no qual uma divindade africana é reimaginada e trazida à tona para desafiar as mesmas normas.
No romance ‘The Wind on Her Tongue’, a autora cria um retrato novo e poderoso de Oya, a Orisha iorubá dos ventos e tempestades. Este segundo livro da trilogia ‘Daughter of Three Waters’ expande o universo estabelecido em ‘Shallow Waters’, trazendo à luz a mitologia africana e a espiritualidade que, tradicionalmente, foram distorcidas ou ignoradas. A figura de Oya incorpora a força ancestral e a resiliência de seu povo, entregando uma narrativa que é ao mesmo tempo uma afirmação cultural e um ato de resistência contra a opressão histórica. Assim como Elphaba, Oya é uma mulher que vive o peso da incompreensão e do desprezo, mas que também é capaz de transformar essas experiências em poder e autoridade.
Oya, que neste romance é reimaginada como uma jovem mulher vivendo nos anos 1870 nos Estados Unidos, luta para entender sua identidade em um mundo repleto de complexidade e conflitos. Filha de Yemaya, uma figura introduzida em ‘Shallow Waters’, ela herda não apenas suas origens iorubás, mas também um legado de poder sobrenatural. Enquanto Yemaya representa o aspecto curativo e nutridor da maternidade, Oya simboliza a força poderosa e imprevisível das tempestades. Essa dualidade entre suas ancestrais reflete as várias dimensões das mulheres negras e suas lutas ao longo da história.
A jornada de Oya a leva a New Orleans, onde ela se torna aprendiz de duas figuras históricas notáveis: Marie Laveau e Mary Ellen Pleasant. Ambas foram mal compreendidas e rotuladas como ‘bruxas más’ na cultura popular, similar à forma como Elphaba é vista. Juntas, essas mulheres desafiadoras se unem à Oya, redefinindo os rótulos impostos a elas e mostrando que a verdadeira força reside na união, na amizade e no apoio mútuo. Através de sonhos compartilhados e luta conjunta, elas se opõem a um sistema que tenta silenciá-las.
O filme ‘Wicked’ e o romance ‘The Wind on Her Tongue’ destacam o poder transformador da amizade feminina. Embora o relacionamento entre Elphaba e Glinda em ‘Wicked’ comece com conflitos e diferenças, ele evolui para um entendimento profundo que muda a vida de ambas. Elphaba encontra consolo em um mundo que a malinterpreta, enquanto Glinda aprende sobre empatia e profundidade emocional. De maneira análoga, as relações de Oya com Laveau e Pleasant fornecem-lhe apoio e propósito comum em sua busca por identidade e liberdade.
Um dos momentos mais emocionantes da narrativa ocorre quando a autora reflete sobre o impacto que a escolha de uma mulher negra para interpretar Elphaba teve em sua própria percepção da história. O significado dessa representação carrega consigo uma onda de emoções, revelando como as narrativas das bruxas desafiadoras ao longo da história se conectam com um legado de resistência e autodeterminação.
As histórias de Elphaba e Oya transcendem personagens fictícios; elas falam para todas nós que já nos sentimos mal compreendidas ou limitadas por expectativas externas. Nos lembram que a verdadeira força reside em desafiar a gravidade, seja a pressão das tradições sociais, a discriminação ou o medo, e que é possível reescrever a própria narrativa. Em um curioso paralelo, ambas as personagens são leitoras ávidas, unidas por uma busca incessante pelo conhecimento e pela verdade, refletindo a contínua jornada de aprendizado e crescimento feminina.
Ambas as histórias se entrelaçam, criando um mosaico de experiências e vozes femininas que não apenas riem dos desafios, mas também se levantam sobre eles, oferecendo uma nova perspectiva sobre o que significa ser uma mulher poderosa em um mundo que muitas vezes tenta silenciá-las. O que Oya e Elphaba nos ensinam é que, em sua essência, o poder feminino é sobre a liberdade de ser e a resistência à opressão — uma mensagem que continua a ressoar em nossa sociedade contemporânea.
Cynthia Erivo e Ariana Grande comparecem à estreia do Wicked: Parte Um no Royal Festival Hall em Londres. Gareth Cattermole/Getty
Ariana Grande e Cynthia Erivo celebrando a estreia do Wicked na Austrália. Don Arnold/WireImage