Em uma escalada significativa do já tenso cenário da guerra civil em Myanmar, o Arakan Army, um dos grupos armados de minorias étnicas mais poderosos do país, anunciou a captura do último posto militar do exército em Maungdaw, uma importante cidade no oeste do país. Com essa conquista, o grupo agora detém controle total sobre a fronteira de 271 quilômetros que separa Myanmar de Bangladesh, completando assim sua dominância na região norte do estado de Rakhine e avançando em sua luta por autonomia.
A ofensiva em Rakhine destaca a complexidade e o prolongamento da guerra civil em Myanmar, onde guerrilhas pró-democracia e forças armadas étnicas buscam autonomia frente ao governo militar que assumiu o poder em 2021, após a derrubada do governo democráticamente eleito de Aung San Suu Kyi. A crise atual foi desencadeada por uma série de conflitos severos que têm marcado a sociedade birmanesa e a vida de diversos grupos étnicos no país, os quais têm enfrentado discriminação sistemática e violência militar.
O porta-voz do Arakan Army, Khaing Thukha, confirmou em mensagem enviada à Associated Press que o grupo tomou o último posto militar em Maungdaw durante um ataque no domingo. Durante os confrontos, o comandante do posto, o Brig. Gen. Thurein Tun, foi capturado enquanto tentava fugir do combate. A gravidade da situação na região de Maungdaw, entretanto, não pôde ser confirmada de forma independente, uma vez que o acesso à internet e aos serviços de telefonia móvel está amplamente bloqueado.
Desde novembro de 2023, o Arakan Army tem demonstrado uma crescente capacidade estratégica ao conquistar 11 dos 17 municípios de Rakhine, além de um município no estado vizinho de Chin. Nos últimos meses, a situação já precária da região se agravou, especialmente em Ann, onde a sede militar que supervisiona grande parte do oeste do país está próxima de cair sob controle do Arakan Army. Inclusive, o grupo fez um alerta via aplicativo de mensagens Telegram sobre a tomada de mais de 30 postos militares, exceto o comando ocidental do exército, que supervisiona Rakhine e parte do estado de Chin.
Com a intensificação dos combates, surgem preocupações sobre o ressurgimento de violência organizada contra a minoria muçulmana Rohingya, que já sofreu massivos atos de violência em anos anteriores, levando mais de 740 mil membros de sua comunidade a buscar refúgio em Bangladesh. Embora o Arakan Army negue as acusações, relatos de testemunhas e documentações de violações de direitos humanos colocam em xeque a legitimidade de suas operações.
A realidade dos Rohingya em Myanmar é marcada por uma longa luta por reconhecimento e direitos básicos. Embora o grupo tenha vivido no país por gerações, a perseguição e a negação de cidadania são comuns, sendo considerados por muitos, incluindo a maioria budista e os membros da minoria Rakhine, como imigrantes ilegais de Bangladesh. Esse sentimento não apenas perpetua a marginalização dos Rohingya, mas também cria um caldo de cultura de hostilidade contra essa comunidade vulnerável.
Além das crescentes tensões em Maungdaw, o Arakan Army também impôs restrições de transporte sobre o rio Naf, que serve como um dos principais pontos de fuga para aqueles que buscam escapar do conflito. O comércio e a movimentação de pessoas na região têm sido severamente afetados pelas ações do grupo rebelde, em resposta a tentativas de socorro e fuga por parte de soldados e civis que buscam refúgio em Bangladesh.
Diante do contexto caótico, a resposta do governo militar de Myanmar foi significativamente contida, e até o momento, não houve comentários oficiais sobre as recentes alegações e os eventos em Maungdaw. A combinação de uma história de conflitos étnicos, questões de controle territorial e a luta por autonomia é uma receita para uma crescente instabilidade não só em Rakhine, mas em toda a nação birmanesa.
Com a continuidade desse ciclo de violência e a luta por autonomia, a situação em Myanmar continua a captar a atenção da comunidade internacional, levando organizações humanitárias a cobrar ações concretas para proteger as populações vulneráveis e restaurar a paz em uma região que clama por soluções há tempos.