A história da ciência pode ser repleta de acontecimentos surpreendentes, mas poucos se comparam à descoberta que ocorreu em julho deste ano, quando um raro baleia de dentes em forma de pá, a mais rara do mundo, foi encontrada na costa da Nova Zelândia. Este evento não apenas instigou a curiosidade de pesquisadores, mas também ofereceu uma oportunidade única de estudo sobre uma espécie que, até então, contava com apenas sete avistamentos documentados. Essa descoberta representa uma janela única para o que sabemos e o que ainda precisamos aprender sobre esse mamífero marinho intrigante.
Anton van Helden, um dos principais especialistas em cetáceos da Nova Zelândia, se recuperava de uma cirurgia quando recebeu a notícia que mudaria sua trajetória profissional. Ao visualizar uma foto em seu telefone, sua reação foi instantânea: “Oh meu Deus, é uma baleia de dentes em forma de pá!” um clamor que logo foi seguido por descrença de outros na comunidade científica. Afinal, somente sete exemplares dessa espécie foram registrados ao longo da história e, até hoje, nunca havia sido visto um indivíduo vivo no ambiente marinho.
Quando a baleia, considerada quase mítica, foi encontrada em julho, muitos duvidaram da veracidade do achado. Entretanto, a próxima ação dos especialistas foi clara. No início de dezembro, especialistas em cetáceos, junto com membros da comunidade Māori local, reuniram-se na Nova Zelândia para dissecar o impressionante exemplar de 4,9 metros e 1.360 quilos. Este evento marcou a primeira vez na história que os cientistas puderam examinar o interior de uma baleia de dentes em forma de pá.
A baleia de dentes em forma de pá pertence à família das baleias bico e é conhecida por seus focinhos semelhantes aos dos golfinhos. Como muitos dos cetáceos, elas são extremamente difíceis de estudar, pois passam boa parte de suas vidas em profundidades abissais do oceano. Algumas dessas espécies, como a baleia pateira, detêm o recorde mundial de mergulho mais profundo e mais longo, que chega a impressionantes três horas e quarenta e dois minutos e profundidades de quase três quilômetros.
A história da descoberta da baleia de dentes em forma de pá remonta a 1874, quando amostras de mandíbula e dentes foram coletadas na Ilha Pitt, a cerca de 800 quilômetros da costa da Nova Zelândia. Nos anos subsequentes, duas parciais crânios — um na Nova Zelândia e outro no Chile — ajudaram os cientistas a confirmar a existência da nova espécie, mas o primeiro avistamento vivo ocorreu apenas em 2010, quando uma mãe e seu filhote ficaram encalhados na Baía da Plenty, na Ilha Norte da Nova Zelândia. Infelizmente, esses espécimes não eram adequados para dissecção.
Outro encalhe em 2017, também na Ilha Norte, acrescentou mais um espécime à coleção. O achado mais recente, que ocorreu em julho deste ano na foz do rio Taiari, resultou na oportunidade de estudar a baleia, que recebeu o nome de Ōnumia, em homenagem à área onde encalhou. Te Rūnanga o Ōtākou, a autoridade tribal local, reconheceu a importância desse achado e colocou o espécime em um freezer para que pudesse ser dissecado posteriormente.
Com relação à importância cultural, Tumai Cassidy, consultor cultural de Te Rūnanga o Ōtākou, destacou que as baleias são animais muito respeitados e reverenciados por seu povo. “Quando elas encalham, são tratadas com grande respeito. Este ato de colaboração entre nosso povo e os cientistas demonstra um compromisso compartilhado para proteger os animais deste planeta”, esclareceu Cassidy, enfatizando a necessidade de colaboração mútua para promover o conhecimento científico e cultural.
A dissecação da baleia não é apenas um evento científico; é um processo holístico onde as informações obtidas podem contribuir significativamente para o entendimento da biologia das baleias. De acordo com van Helden, o desafio é aprender como a baleia produz som, uma vez que esses animais passam longos períodos em profundidades extremas, quase sem interação com o ar. A cada nova camada desvendada, novas pistas sobre os segredos desses animais são reveladas, e a expectativa é que essa pesquisa contribua para uma melhor compreensão das adaptações evolutivas únicas que eles desenvolveram para viver nas profundezas do mar.
O encontro com esse raro cetáceo, para van Helden, foi um momento de surpresa. Ele reflete que a baleia de dentes em forma de pá, ao ser observada de perto, se revelou mais compacta e robusta do que outras espécies de baleias bico. “Ela é realmente robusta. É um animal pequeno, poderoso e convida à reflexão sobre como somos rápidos em julgar a natureza”, disse ele, entre risos, ao lembrar que, em comparação com outros cetáceos, ela é imensamente grande.
O que está em jogo é muito mais do que a curiosidade científica; é a conexão com o desconhecido, o respeito pela vida marinha e a importância de preservar as ricas histórias que esses animais têm para contar. À medida que o estudo avança, a comunidade científica e a local demostram que, juntos, são capazes de desvendar os mistérios da natureza uma camada de descobertas de cada vez.