A Arábia Saudita está prestes a ser anunciada como a anfitriã da Copa do Mundo de 2034, uma decisão que levanta sérias preocupações entre grupos de direitos humanos. A FIFA, entidade que rege o futebol mundial, programou uma reunião para anunciar os locais das próximas Copas do Mundo. Enquanto a Copa de 2030 será co-sediada pela Espanha, Portugal e Marrocos, a Arábia Saudita é a única candidata para a edição de 2034. No entanto, o que deveria ser uma celebração do futebol está se transformando em um debate controverso, dominado por questões de direitos humanos e o que muitos chamam de “lavagem de esportes”.

A decisão da FIFA de escolher a Arábia Saudita e não considerar as apreensões sobre as práticas dos direitos humanos no país vem sendo criticada. Michael Page, diretor adjunto da Human Rights Watch (HRW) para o Oriente Médio e Norte da África, expressou preocupações sobre o “custo humano inimaginável” que pode acompanhar a realização de um evento dessa magnitude em um país com um histórico problemático em relação aos direitos humanos. Vizinho ao Golfo Pérsico, a Arábia Saudita enfrenta inúmeras críticas por abusos de trabalhadores migrantes, restrições à liberdade de expressão, além de direitos limitados a grupos minoritários.

O apetite da Arábia Saudita por sediar eventos esportivos internacionais é parte de uma estratégia mais ampla para diversificar sua economia, conforme delineado na “Visão Saudita 2030”, que busca transformar a nação em um líder global em várias áreas, incluindo esportes. Nos últimos anos, o país tem investido pesadamente em talentos esportivos, adquirindo clubes icônicos como o Newcastle United da Premier League e atraindo grandes estrelas do futebol para a Liga Profissional Saudita, como Cristiano Ronaldo e Neymar Jr. Este esforço tem sido acompanhado de uma amizade pública entre o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, conhecido como MBS, e o presidente da FIFA, Gianni Infantino.

Saudi Vision 2030 aims to diversify the economy with sports investments and events.

A Arábia Saudita vem planejando grandes investimentos na infraestrutura necessária para a Copa, inclusive a construção ou reforma de 11 estádios e a criação de 185 mil novos quartos de hotel. Entretanto, conforme alertam grupos de direitos humanos, a realização da Copa do Mundo em 2034 poderá acarretar um alto custo, especialmente em um cenário onde trabalhadores migrantes são frequentemente os que mais sofrem. A HRW destacou uma série de abusos que ocorrem no país, impulsionados principalmente pelo sistema de patrocínio “Kafala”, que limita a liberdade dos trabalhadores e os torna vulneráveis a uma variedade de abusos laborais.

Além disso, há indícios de um ambiente de repressão à liberdade de imprensa, à comunidade LGBTQ+ e às mulheres, com uma série de reportagens que confirmam as vozes daqueles que ousam expressar dissenso. Lina al-Hathloul, ativista dos direitos humanos e irmã de uma proeminente defensora dos direitos das mulheres que está presa, insistiu que a Arábia Saudita é um estado policial sob o comando de MBS, onde a repressão é a norma e não exceção. O número de execuções no país tem disparado, refletindo um regime cada vez mais autoritário.

Um relatório recente da HRW, intitulado “Die First, and I’ll Pay You Later” (Morra Primeiro, e Eu Pagarei Depois), argumenta que o país está usando a Copa do Mundo para melhorar sua imagem no exterior, ao mesmo tempo que ignora as abomináveis condições que muitos trabalhadores enfrentarão durante a construção da infraestrutura do torneio. Apesar das promessas de reforma, as questões dos direitos humanos permanecem sem solução, com os empregadores retendo o controle desproporcional sobre os trabalhadores, e abusos como não pagamento de salários e confiscos de passaportes ainda comuns.

Embora a FIFA tenha categorizado os riscos de direitos humanos associados à candidatura saudita como “médios”, analistas e ativistas apontam a falta de uma avaliação justa e independente do cenário de direitos humanos no país. Muitas ONGs e ativistas chamaram a atenção da FIFA para adiar qualquer anúncio sobre a escolha da Arábia Saudita até que os direitos dos trabalhadores migrantes, liberdade de expressão e os direitos das mulheres sejam respeitados. Organizações como a Anistia Internacional também pediram à FIFA para interromper o processo de concessão do torneio à Arábia Saudita, a menos que reformas significativas sejam implementadas.

Ainda que a maioria dos especialistas concorde que decretar a realização da Copa do Mundo na Arábia Saudita é problemático, é vital que os direitos humanos permaneçam no centro dessa discussão. À medida que se aproximam os dez anos até a Copa do Mundo de 2034, ainda existe uma janela de oportunidade para garantir que a competição não seja apenas uma vitrine para o país, mas uma oportunidade para provocar mudanças significativas e necessárias na sociedade saudita. Não devemos perder essa oportunidade. Como afirmam os defensores dos direitos humanos, é essencial que os cidadãos sauditas e a comunidade internacional continuem a pressionar por uma verdadeira reforma até lá.

Esta é uma história que ainda está se desenrolando, e as próximas decisões da FIFA e da Arábia Saudita terão um impacto profundo no futuro do futebol e na vida de inúmeras pessoas. Resta saber se a FIFA, ao considerar sua decisão final, permitirá que as questões relacionadas aos direitos humanos se tornem uma parte importante desta história. O cenário está traçado para que a discussão sobre a intersecção entre esportes e direitos humanos continue ao longo do próximo década.

Os apaixonados por futebol, e aqueles que apenas buscam justiça para os que não têm voz, certamente estarão atentos a cada movimento nesta trama enquanto nos aproximamos desse grande evento esportivo.

Leia o relatório da Human Rights Watch

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