As lembranças da primeira vez que conheci o líder sírio Bashar al-Assad em 2007 ainda pairam na minha mente. Ele me cumprimentou com um aperto de mão frouxo e uma voz suave, quase hesitante. Naquele momento, parecia impossível imaginar que aquele homem, magro e elegante, estivesse no comando de um regime que estraçalharia a vida de milhões de sírios. Era um período em que a insurgência contra as tropas dos EUA estava em alta no Iraque, e o mundo ainda estava se recuperando da execução de Saddam Hussein, o feroz líder iraquiano anterior de um partido secular, tal como Assad. Bastava olhar para o caos vizinho para perceber a diferença – enquanto o Iraque mergulhava na desordem, a Síria parecia ter encontrado uma certa estabilidade sob a liderança de Assad.
O encontro foi realizado em um palácio em Damasco, onde representantes de uma equipe de correspondentes da National Public Radio foram recebidos por Assad. Não havia uma grande comitiva ao seu redor, e sua equipe de segurança, com muita firmeza e confiança, escolheu manter-se invisível. A confiança deles era palpável, com a noção de que os temidos serviços de segurança sírios nos observavam atentamente, provavelmente vigiando nossa chegada à cidade e transformando a privacidade em um mero conceito.
Embora Assad não fosse tão extrovertido quanto Saddam, ele não era menos brutal. No entanto, ele conseguiu sobreviver à primavera árabe ao implementar uma repressão impiedosa, que resultou em uma sangrenta guerra civil que se arrastou por mais de uma década. Por um lado, as memórias de sua liderança são marcadas por um legado de opressão, corrupção e insensibilidade às atrocidades cometidas contra o próprio povo. Durante nossa conversa, apresentada em inglês, Assad negou veementemente as alegações que pairavam sobre seu regime, incluindo uma série de assassinatos políticos que ocorreram em países vizinhos. Em vez de expressar qualquer remorso, inferiu o que ele chamava de “você também”, atacando a hipocrisia moral dos EUA.
Enquanto sua retórica se sustenta na negação e na desvio de responsabilidade, o horror real da repressão do regime de Assad é percebido em relatos de tortura e brutalidade. Termos árabes como Basat al reeh, dulab e falaqa tornaram-se familiares para aqueles que sofreram sob seu regime. Cada um desses métodos representa uma forma de tortura, evidenciando que, enquanto a classe alta se deliciava em ostentar o luxo em propriedades abandonadas — árvores de Natal artificiais em palácios decrepitos, coleções de carros luxuosos, incluindo Ferraris e Lamborghinis, agora disponíveis à vista do público — a vida da maioria dos sírios continuava a ser marcada pela dor e pelo sofrimento.
Com uma fama construída em torturas horrendas, a reputação de Assad de brutalidade se estabilizou muito antes da guerra civil, durante a qual os relatos de atrocidades continuaram a se acumular. Um ativista de oposição me disse como ele suportou 40 dias de confinamento solitário, com a tortura como um evento cotidiano. Outro participante do movimento de oposição, um dentista, compartilhou detalhes perturbadores de como foi preso e sofreu abusos severos, incluindo choques elétricos. Assad e seu regime, com o suporte do Irã, da Rússia e do Hezbollah, restabeleceram o controle sobre grande parte da Síria. A repressão continuou nas prisões, que ainda estão cheias de prisioneiros que não têm direito à defesa, à liberdade ou à esperança. A brutalidade do regime não se limitou à opressão dos dissidentes, mas também se espalhou pelo cenário internacional, com Assad habilmente manipulando tensões regionais enquanto continuava a marginalizar sua própria população.
A hipocrisia do regime de Assad e seus aliados
Durante os 53 anos em que a dinastia Assad se manteve no poder, Damasco orquestrou um jogo cínico nas relações regionais. Afirmavam-se como uma república secular, mas o discurso era repleto de contradições. O governo de Assad bombardeou sua própria cidade, Hama, para reprimir uma rebelião da Irmandade Muçulmana, ao mesmo tempo que canalizava combatentes jihadistas para lutar contra a ocupação americana no Iraque e, posteriormente, se vendo atormentado por esses mesmos radicalizados quando voltaram para o país. A relação amigável da Síria com o Irã, um estado teocrático, e com o Hezbollah, revelou um apoio conflituoso às diversas facções na região. Essa complexidade se intensifica com o fato de que as minorias curdas no território sírio não gozavam de direitos plenos, repetindo as injustiças que eram cometidas em outros lugares.
Numa última reflexão, é difícil compreender como alguém que tem a responsabilidade de governar sobre tal contexto, na realidade um sistema brutal que disfarça suas atrocidades, pode continuar a governar sem ter que prestar contas a ninguém. Apesar da imagem aparente de um líder carismático, a verdadeira essência de Bashar al-Assad é uma sombria encarnação dos males que permeiam os regimes autoritários.