Tradicionalmente, presidentes norte-americanos não costumam intervir na nomeação do diretor da Voice of America (VOA), uma emissora internacional financiada pelo governo dos EUA. No entanto, o presidente eleito Donald Trump anunciou, em uma publicação nas redes sociais, sua intenção de indicar sua aliada Kari Lake para o cargo. A declaração de Trump não apenas simboliza uma possível mudança de direção na VOA, mas também acende os ânimos em um organismo que já se tornou um campo de batalha ideológico durante seu primeiro mandato.

A publicação de Trump na noite de quarta-feira, na qual afirmou estar “satisfeito em anunciar que Kari Lake servirá como nossa próxima diretora da Voice of America”, sugere que futuras batalhas estão por vir sobre a linha editorial e a missão da emissora. A iminente possibilidade de Lake, uma ex-apresentadora de TV local que se tornou conhecida por seu ativismo contra a mídia e por questionar os resultados eleitorais, assumir um papel tão sutilmente político, já gera preocupação entre jornalistas da VOA. “Estamos na expectativa de que as medidas de proteção continuem atuando”, declarou um funcionário da VOA à CNN, sob condição de anonimato.

Um dos principais pontos de discussão gira em torno de qual deve ser o verdadeiro papel da VOA e quem será seu público principal. A emissora não é apenas um canal de notícias; ela faz parte da Agência dos EUA para a Mídia Global, que também supervisiona redes como a Radio Free Europe/Radio Liberty e Middle East Broadcasting Networks. Em sua missão, a VOA é responsável pela produção de um jornalismo que não apenas busca credibilidade e isenção, mas também promove valores democráticos em todo o mundo. Historicamente, o governo dos EUA vê a VOA como um contrapeso à propaganda estrangeira e um modelo de cobertura jornalística livre e honesta.

Esta preocupação em preservar a independência é reforçada pela afirmação da VOA de que existe uma “muralha de proteção” em vigor que proíbe qualquer interferência de funcionários do governo dos EUA na cobertura objetiva e independente das notícias. Contudo, a inserção de um novo diretor nesse processo não é tão direta quanto uma simples postagem em uma rede social. De fato, a nomeação de um novo diretor é um processo complexo, e por ora, o anúncio de Trump se assemelha mais a uma sugestão, embora de grande influência.

No mesmo pronunciamento, Trump ressaltou que Lake “será nomeada por, e trabalhará em estreita colaboração com, o nosso próximo chefe da Agência dos EUA para a Mídia Global, que eu anunciarei em breve”. Essa estrutura levantou a questão: como esse novo direcionamento poderia impactar a integridade da VOA e a maneira como a emissora se comunica globalmente?

Os desafios da reforma na VOA durante a era Trump

Durante o primeiro mandato de Trump, a sua escolha para comandar a agência, Michael Pack, enfrentou um longo processo de confirmação que durou dois anos no Senado. Quando Pack finalmente assumiu o cargo, a VOA enfrentou grandes tumultos internos. Pack demitiu diretores de várias redes e promoveu um ambiente de trabalho turbulento, onde a cobertura das notícias passou a estar sob forte influência política. Ele buscou investigar a reporter da VOA que, segundo alegações, teria exibido viés contra Trump, resultando em um verdadeiro caos dentro da emissora.

Enquanto alguns conservadores celebraram essas ações, investigações federais seguiram denúncias de abusos que surgiram durante sua gestão, como aponta um relatório da NPR. As iniciativas de limpeza promovidas por Pack culminaram em reformas institucionais. Hoje, um comitê bipartidário, conhecido como International Broadcasting Advisory Board, colabora com o CEO da Agência de Mídia Global dos EUA, sendo que, por lei, a direção da VOA só pode ser indicada ou removida por uma votação da maioria do conselho.

Essa situação apresenta um elemento de burocracia que tem como objetivo proporcionar certa medida de independência aos jornalistas da VOA. Por isso, ao anunciar Lake, Trump poderia estar “colocando a carroça na frente dos bois”, como declarou um veterano da emissora. O atual diretor da VOA, Michael Abramowitz, que assumiu recentemente, é um respeitado ex-correspondente do Washington Post e presidente da Freedom House. Abramowitz tem se posicionado fortemente em favor da missão da VOA de fornecer notícias precisas, abrangentes e objetivas, contando a história dos EUA para pessoas ao redor do mundo que, muitas vezes, não têm acesso a fontes de informação alternativas.

Trump, por sua vez, redefiniu essa missão de maneira mais política em seu anúncio. Ele declarou que Lake, que frequentemente criticou jornalistas americanos durante suas duas campanhas fracassadas no Arizona, garantiria que os “valores americanos de liberdade e liberdade fossem transmitidos ao mundo de maneira justa e precisa, ao contrário das mentiras disseminadas pela mídia ‘falsa’”. Com essa perspectiva, uma fonte anônima da VOA expressou suas preocupações, afirmando que, enquanto Abramowitz é bem visto, a perspectiva de Lake assumir sua posição é perturbadora para muitos na organização.

Por enquanto, Trump precisa primeiro indicar alguém para liderar a Agência dos EUA para a Mídia Global, e então esse novo profissional, junto com o conselho consultivo, avaliará a posição da VOA. O quadro do conselho tenderá a favorecer o GOP no próximo ano, já que um dos membros virá do Departamento de Estado de Trump. Entretanto, muitos membros do conselho têm mandatos que dificultam a pressão política. Em um momento delicado como este, Kenneth Jarin, atual presidente do conselho, que foi indicado por Biden e tem dois anos restantes de mandato, preferiu não comentar quando abordado na noite de quarta-feira.

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