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O assassinato brutal de um CEO do setor de saúde despertou uma onda de revolta pública contra a indústria de seguros de saúde. Porém, o que a sociedade americana deve fazer com esse sentimento de indignação? É hora de guardar essa raiva ou trabalhar para uma reformulação do sistema?

O suspeito do crime, Luigi Mangione, se prepara para um julgamento por assassinato em Nova York, onde seu advogado anunciou que ele se declarará inocente. Contudo, o incidente oferece à nação uma oportunidade, ainda que desconfortável, de reavaliar sua insatisfação com um sistema de seguros de saúde que, diferentemente de qualquer outro nos países desenvolvidos, prioriza os lucros das empresas privadas em detrimento dos pacientes.

A jornalista Tami Luhby, da CNN, compilou histórias de terror de seguros, incluindo a de uma jovem graduada que lutou contra o câncer enquanto sua fornecedora de cobertura exigia um copagamento mensal de $13.000 para um medicamento essencial para sua sobrevivência. É compreensível, portanto, que uma parte considerável da população americana esteja atolada em dívidas médicas.

A transformação sobre a responsabilidade do governo na cobertura de saúde

Recentemente, um levantamento da Gallup, realizado antes do assassinato do CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson, revelou que 62% dos americanos acreditam que é responsabilidade do governo federal garantir que todos os cidadãos tenham acesso a serviços de saúde. Apenas 36% discordam dessa afirmação.

Vale destacar que a Gallup realiza essa pesquisa há anos, e os resultados mais recentes refletem uma mudança gradual nas percepções. Há 11 anos, durante as dificuldades inicial do lançamento das trocas de seguros de saúde privado criadas pela Lei de Cuidados Acessíveis, apenas 42% afirmavam que a responsabilidade era do governo.

A mudança de opinião é notável no espectro político. Atualmente, cerca de 90% dos democratas acreditam que o governo deve assegurar a cobertura de saúde, um aumento significativo em comparação com pouco mais de dois terços em 2013. Em contraste, cerca de um terço dos republicanos compartilham do mesmo pensamento, um aumento em relação aos 12% registrados na mesma pesquisa há uma década.

Apesar dessa mudança, qualquer reforma no setor de seguros de saúde que vise aumentar a participação do governo provavelmente enfrentará resistência intensa, como ocorreu em 2010, quando o então presidente Barack Obama sancionou a Lei de Cuidados Acessíveis.

A insatisfação com o sistema de saúde está em queda

O crescimento na opinião de que o governo deve garantir cobertura médica está alinhado com uma queda na satisfação quanto ao sistema de saúde de acordo com a pesquisa da Gallup.

Em 2013, 54% dos americanos estavam satisfeitos com a qualidade do sistema de saúde nos Estados Unidos; hoje, esse número caiu para 44%.

A satisfação com a cobertura de saúde sempre foi baixa ao longo dos mais de 20 anos em que a Gallup realizou esse acompanhamento. Ela atingiu um pico de 41% em 2012 e atualmente está em 28%, a menor desde o início dos anos 2000, antes que a Lei de Cuidados Acessíveis reformasse drasticamente a indústria de seguros, garantindo que as seguradoras cobrissem condições preexistentes e permitindo que jovens se mantivessem no plano de seus pais até os 26 anos, além de expandir significativamente a cobertura do Medicaid.

Um sistema de saúde praticamente exclusivo dos Estados Unidos

Nenhum outro país, sem dúvida nenhum outro país rico como os Estados Unidos, opera dessa maneira, dependendo das empresas para fornecer cobertura de saúde opcional à maior parte da população.

Enquanto alguns países possuem sistemas de saúde administrados pelo governo, outros exigem que os cidadãos paguem por planos de saúde privados mais acessíveis, todos, exceto os Estados Unidos, asseguram cobertura quase universal.

Custos elevados com saúde e expectativa de vida mais baixa

Múltiplos estudos apontam que os Estados Unidos gastam muito mais per capita e em proporção do produto interno bruto (PIB) para cobrir uma fração muito menor da população e ainda obtêm uma expectativa de vida inferior – embora a expectativa de vida nos Estados Unidos também seja afetada por mortes por armas, suicídios e overdoses de drogas.

Organizações como a KFF, a Fundação Peter G. Peterson e o Commonwealth Fund realizaram avaliações detalhadas comparando o sistema americano com o de outros países. Os principais pontos indicam que os custos administrativos são muito mais altos nos Estados Unidos do que em outras nações ricas, refletindo a complexidade de um sistema seguro diversificado, que contribui para tais custos.

Uma distinção importante com os Estados Unidos é que outros países garantem cobertura para todos e subsidiam esse acesso de forma mais expressiva que os Estados Unidos.

Aqui, o governo apenas fornece assistência médica para os mais necessitados, através do Medicaid, e aos cidadãos mais velhos, que geralmente têm acesso ao Medicare. Graças à Lei de Cuidados Acessíveis, o governo também subsidia o atendimento para aqueles com rendas abaixo de certos limites que não têm cobertura por meio de seus empregadores. O governo também subsidia a cobertura fornecida pelos empregadores através de incentivos fiscais.

Um aspecto que merece atenção é a crescente adesão dos beneficiários do Medicare a planos conhecidos como Medicare Advantage, operados por seguradoras privadas. O Wall Street Journal recentemente documentou como esses planos podem acabar custando mais ao governo e que pacientes com problemas de saúde optam por retornar ao Medicare em busca de procedimentos que consomem custas mais elevadas.

A diminuição da satisfação com um sistema governamental notável

As dificuldades enfrentadas com o seguro de saúde não são exclusivas dos Estados Unidos. Um dos casos mais notáveis de um sistema de saúde administrado pelo governo, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, tinha uma taxa de satisfação de 70% em 2010, que caiu para apenas 24% em 2023, segundo uma pesquisa nacional. Contudo, a pesquisa revelou que os britânicos desejam melhorar o sistema para reduzir o tempo de espera por serviços, em vez de substituí-lo por um modelo diferente.

Apesar disso, a discussão política nos Estados Unidos pouco se aprofundou nas questões do seguro de saúde durante a recente campanha presidencial, com o tema não figurando entre as principais preocupações dos eleitores nas pesquisas de opinião pública.

O presidente eleito Donald Trump foi escolhido com apenas “conceitos” a respeito de uma política de saúde. Ele venceu a vice-presidente Kamala Harris, que propôs pequenas expansões do Medicare ao invés de uma mudança significativa no sistema.

A última grande modificação no sistema ocorreu com a implementação da Lei de Cuidados Acessíveis, que teve um custo político a curto prazo para os democratas, que perderam o controle da Câmara dos Representantes. Ao longo do tempo, a lei se tornou mais aceita, com 62% dos americanos expressando uma opinião favorável, segundo uma pesquisa de acompanhamento da KFF. Entretanto, claramente não se resolveu o problema da acessibilidade aos serviços de saúde.

Um importante passo em direção à redução dos custos com medicamentos foi conquistado pelos democratas durante a administração Biden, quando, após anos de tentativas, conquistaram o direito do Medicare de negociar preços mais baixos em determinados medicamentos. Entretanto, essa conquista enfrenta um futuro incerto na nova administração de Trump, que ainda está desenvolvendo suas ideias para o setor da saúde.

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