Mais de uma semana após a queda do regime de Bashar al-Assad, milhões de sírios continuam sem respostas para duas perguntas que os atormentam há anos: o que aconteceu com os familiares e amigos que desapareceram ou foram detidos pela polícia secreta de Assad, e como podemos levar seus torturadores e assassinos à justiça? A situação atual é marcada por uma combinação de desespero e determinação, em um contexto onde cerca de 150 mil sírios permanecem desaparecidos. A maioria deles foi sequestrada ou detida por membros do regime de Assad ou seus afiliados, de acordo com a Comissão Internacional sobre Pessoas Desaparecidas (ICMP). Esse número, impressionante e devastador, ainda não foi confirmado de maneira independente.
Com cada dia que passa, as esperanças dos sírios de encontrar seus entes queridos vivos diminuem. Eles anseiam por algum tipo de fechamento. A dor intensa os leva a percorrer paredes de prisões e hospitais onde listas de nomes e imagens de corpos são exibidas. Este ritual angustiante se torna uma busca desesperada pela verdade, na qual eles se agarram a uma fração de esperança, num desejo quase sobrenatural por um milagre. Contudo, junto com essa busca pela verdade, também existe um forte desejo por retribuição. As histórias de horrores cometidos no regime Assad se proliferam, mas a pergunta que ressoa é: quem será responsabilizado?
Um dos que aguardam ansiosamente por notícias é Hazem Dakel, um sírio natural de Idlib, que atualmente vive na Suécia. Seu tio Najeeb foi preso em 2012 e mais tarde confirmado pela família como morto. Seu irmão Amer foi detido no ano seguinte. Relatos de ex-detentos da horrenda prisão de Saydnaya, perto de Damasco, indicam que Amer desapareceu em meados de abril de 2015, após ter sido torturado. No entanto, o regime nunca reconheceu sua morte. “Agora que as pessoas podem falar, estão citando nomes, e recebi detalhes exatos sobre o que aconteceu na prisão, e a tortura, quem o torturou, quem o interrogou,” disse Dakel à CNN. “Eu quero que este novo país da Síria se baseie na lei, para que possamos responsabilizá-los”, acrescentou.
Dakel também descreveu o clima que permeava o momento da queda de Assad: “Havia celebração em Idlib, mas também luto. Eles estão de luto por seus filhos. Sim, o regime caiu após resistência e luta, mas havia dor – como, onde estão nossos filhos?” Em uma mensagem postada no Facebook, Dakel afirmou: “A justiça está chegando, e nosso direito não será apagado, não importa quanto tempo leve.” A família agora está “certa” de que Amer morreu sob tortura em Saydnaya, conforme ele mesmo relatou.
Os grupos de direitos humanos começaram a visitar as numerosas prisões e centros de detenção na Síria, onde aqueles vistos como críticos do regime foram mantidos. Uma equipe da Anistia Internacional percorreu as áreas de segurança do regime anterior em torno de Damasco. Mazjoub, um membro da equipe, relatou: “Nada poderia nos preparar para o que vimos”. Em uma série de postagens perturbadoras, ela descreveu “labirintos subterrâneos que são literalmente o inferno na terra. Eles estavam superlotados, infestado de baratas e outros insetos, não tinham ventilação. Eles ainda cheiram a sangue e morte.” Cenários de tortura grotescos também foram revelados, como o uso da “bisat ar-reeh”, um dispositivo de tortura notório onde os detentos eram amarrados a um tabuleiro de madeira que seria dobrado até suas costelas se quebrarem, e o “doulab”, onde os detentos eram colocados em um pneu e espancados, geralmente nas solas dos pés.
Identificar os corpos encontrados exigirá um exército de patologistas forenses, pois muitos estão mutilados e em estado de decomposição, de acordo com o relato de Mazjoub. Os familiares desesperados foram em busca de justiça e recuperação. Em um vídeo postado, Lama Saud compartilhou sua dor, relatando que seu irmão Abdullah foi detido em 2012 e, embora seu nome aparecesse nos registros do regime como morto em 2014, ela ainda guardava esperanças de que ele estivesse vivo. “Há muitos detentos cujas famílias foram informadas de que estavam mortos, mas depois descobriram que estavam vivos”, disse ela.
Mahmoud Al Shahabi, um sírio no exílio, também partilhou sua dor e esperança. Ele está esperando por notícias sobre seus irmãos Hikmat e Amir há 12 anos. “Minha situação é como a de centenas de milhares de famílias sírias que esperam por notícias sobre seus entes queridos, e não desistiremos da esperança”, disse ele. Até agora, não ficou claro se algum deles ainda está vivo.
Recentemente, Al Shahabi também questionou em suas redes sociais por que as gravações das câmeras de segurança em filiais de segurança do regime desapareceram, e levantou preocupações sobre a destruição de documentos. Ele enfatizou a necessidade de preservar as evidências restantes nas prisões e locais de possíveis sepultamentos, que são essenciais para documentar o que aconteceu e rastrear os perpetradores.
As apelos dos grupos de direitos humanos, como os de uma coalizão de grupos que se uniram em uma declaração conjunta na semana passada, destacam a urgência da situação: “O verdadeiro custo só será conhecido após as sepulturas em massa e os documentos dos centros de detenção serem examinados e autenticados por especialistas qualificados. Esta documentação deve ser preservada”, disseram eles. Com base em relatos de ex-prisioneiros, médicos e funcionários do regime, relatos indicam que um “Honda verde-oliva com um compartimento fechado que poderia acomodar cerca de 50 corpos” foi utilizado para transportar os corpos para um local em Najha, próximo a Damasco, conhecido como “cemitério nº 1” ou pela expressão utilizada pelas forças do regime, “cemitério dos bastardos.”
Corpos em um hospital militar permaneciam por dois ou três dias, aguardando que houvesse “corpos suficientes” para o transporte até o cemitério de Najha e outros locais, conforme relatado. A Associação de Detentos e Desaparecidos na prisão de Saydnaya, que se descreve como uma coalizão de sobreviventes de prisões, vítimas e suas famílias, meticulosamente documentou o que ocorreu nos últimos anos, com base em depoimentos de testemunhas e outras evidências, como imagens de satélite.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) expressou a urgência de que locais de sepultamento ou fossas comuns “devem ser protegidos e preservados para permitir exumações organizadas assim que possível”. “Isso também é crucial para identificar e determinar o destino daqueles que estão desaparecidos e fornecer as respostas muito aguardadas para suas famílias.” Mesmo após investigações encontrarem documentos espalhados por Saydnaya, o CICV pediu a proteção de todos os registros. Essa combinação de relatos e evidências mostra que a questão dos desaparecidos na Síria não é apenas uma crise humanitária, mas um enorme desafio ao Estado de Direito, onde as vozes das vítimas e seus familiares clamam por justiça e um futuro onde a verdade possa finalmente emergir do caos.
Com a guerra civil síria, mais de 350 mil vidas foram perdidas desde 2011, segundo uma estimativa de um alto comissário da ONU para os direitos humanos, ressaltando ainda mais a gravidade dos cálculos: um subregistro do número real de mortes. A Anistia Internacional já havia revelado um estudo sobre 13 mil pessoas que foram enforcadas secretamente na prisão de Saydnaya entre 2011 e 2015 apenas, refletindo um padrão sombrio que está, há décadas, sendo noticiado sobre civis sendo mortos sob tortura nas celas do regime. Em última análise, a maioria dos desaparecidos é amplamente suposta como morta. O diretor da Rede Síria de Direitos Humanos, Fadel Abulghany, quebrou em uma declaração recentemente ao pedir desculpas de forma contundente, enfatizando que “a maioria dos desaparecidos forçadamente na Síria está morta – e peço desculpas”. O que se avizinha é uma missão quase sobre-humana para identificar aqueles que morreram e trazer à tona a verdade sobre seus algozes.
Links e Imagens Relacionadas
Investigação da Anistia Internacional sobre Saydnaya