Nota do Editor: Este artigo foi originalmente publicado por The Art Newspaper, parceiro editorial da CNN Style.
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Com a morte de Lorraine O’Grady, que ocorreu na última sexta-feira, em Nova Iorque, o mundo da arte perdeu uma de suas peças mais inovadoras e influentes. A artista conceptual, que desafiou definições tradicionais de identidade ao longo de sua carreira, faleceu aos 90 anos. Seu ateliê, Mariane Ibrahim, confirmou a triste notícia por meio de um e-mail, ressaltando que a causa foi natural.
Nascida em 21 de setembro de 1934, em Boston, filha de imigrantes jamaicanos, O’Grady vivenciou uma realidade que a moldou artisticamente desde cedo. Sua jornada até se tornar artista não foi imediata; ela mergulhou nas artes apenas na casa dos 40 anos. Neste período, O’Grady experimentou uma variedade de carreiras antes de encontrar sua verdadeira paixão. O reconhecimento público de seu trabalho só viria a surgir a partir dos anos 2000, quando foi inclusa na exposição de referência “WACK!: Art and the Feminist Revolution”, realizada no Museum of Contemporary Art de Los Angeles, em 2007. Sua participação na Bienal do Whitney, em Nova Iorque, em 2010, consolidou sua presença no cenário da arte contemporânea.
Em 2021, o Brooklyn Museum promoveu uma retrospectiva significativa de seu trabalho chamada “Lorraine O’Grady: Both/And”, que incluiu a apresentação de uma nova persona de arte performática. Surpreendentemente, ao invés de um padrão normal de exibição, Lorraine subiu ao palco vestida com uma armadura completa, levando o público a questionar as narrativas que costumavam ser contadas.
Certamente, O’Grady tinha uma maneira única de interagir com a audiência. Em uma declaração à New York Magazine, refletiu sobre suas expectativas quanto à retrospectiva, expressando uma ânsia pelo engajamento direto com os espectadores, algo que sentia faltar em sua experiência artística anterior. “A interação do público, que envolve um diálogo de perguntas e respostas, é a coisa que estava ausente”, ela declarou, enfatizando o desejo de conectar-se ainda mais com aqueles que apreciam seu trabalho.
É particularmente relevante destacar que O’Grady era uma força inquieta no campo da performance e da crítica social. Sua persona mais icônica, Mlle Bourgeoise Noire, surgiu em 1980 em uma apresentação marcada pela provocação. Ao contrário das performances convencionais, ela apresentava-se com um vestido feito por 180 pares de luvas brancas, distribuindo flores brancas ao público, enquanto recitava poesias desafiadoras que clamavam por mais ousadia na expressão da arte negra. Uma de suas peças mais memoráveis foi uma participação no African American Day Parade em Harlem, onde utilizou uma grande moldura vazia, desafiando a percepção do que é arte e ressaltando a importância da presença negra na narrativa cultural.
As raízes em Boston
A complexa identidade de O’Grady foi marcada por contrastes, vivenciando uma posição de classe ambígua que refletia a herança de sua família caribenha. Seus pais, que ocupavam cargos de prestígio na Jamaica, tiveram que se adaptar à vida de trabalhadores nos Estados Unidos. Isso a fez sentir-se deslocada, como ela mesma descreveu em uma citação: “sempre senti que ninguém conhecia minha história, mas se não havia espaço para minha narrativa, não era meu problema”. Essa luta interna a impulsionou a consertar sua própria imagem dentro da sociedade americana.
Após iniciar sua jornada artística, O’Grady desenvolveu um estilo que mesclava performance, fotomontagens e escrita, onde suas obras exploravam os desafios enfrentados por mulheres artistas de cor. Sua inteligência crítica se manifestava através de diversos canais, unindo política, raça e gênero de maneira acessível e desafiadora ao mesmo tempo. Em cada fase de sua vida, O’Grady se reinventou continuamente, desafiando os limites do que significava ser uma artista e mulher negra em uma indústria predominantemente branca. Ao longo de sua carreira, ela mantinha uma atitude de sempre aprender, nunca se contentando em “dominar” seu ofício, mas celebrando a busca incessante de conhecimento.
O’Grady foi distinguida com inúmeras honrarias, incluindo recentemente uma prestigiosa Bolsa Guggenheim que, segundo o anúncio, serviria para apoiar sua nova peça de arte performática. Seu último dealer, Mariane Ibrahim, expressou: “Lorraine O’Grady foi uma força a ser reconhecida. Ela se recusou a ser etiquetada ou limitada”. O’Grady deixará um legado inestimável, não apenas na arte, mas também no fortalecimento e empoderamento das mulheres artistas de cor, abrindo novos caminhos na intersecção entre arte e escrita.
Seu impacto e relevância no campo da arte contemporânea perdurarão por muitos anos, lembrando aos futuros artistas que a verdadeira essência da arte é primeiramente humana e, como O’Grady bem colocou, “o objetivo mais importante da arte é nos lembrar que somos humanos, não importa o que isso signifique”.
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