As autoridades da ilha de Mayotte estão em estado de alerta após a destruição causada pelo ciclone Chido, que atingiu a região no último fim de semana. O temor de uma crise humanitária, marcada pela escassez de alimentos, doenças e aumento da violência, paira sobre o território francês ultramarino. Enquanto isso, o impacto devastador do ciclone também deixou um rastro de morte e destruição em Moçambique, onde já foram relatadas dezenas de óbitos. Este evento climático extremo não apenas deixou um sinal de destruição física, mas também começou a acirrar debates políticos sobre imigração, meio ambiente e as condições de vida nos territórios ultramarinos da França.
As estimativas das autoridades apontam que centenas, senão milhares, de concidadãos em Mayotte podem estar mortos em decorrência da tempestade, considerada a mais forte a atingi-la nos últimos 90 anos, segundo o serviço meteorológico francês, Meteo France. O ciclone causou estragos em grande parte do arquipélago, que já enfrenta sérios desafios socioeconômicos, o que agrava ainda mais a dificuldade de resposta a desastres humanos. O prefeito de Mamoudzou, Ambdilwahedou Soumaila, confirmou ao rádio que foram registradas 22 mortes e mais de 1.400 feridos até a manhã de terça-feira.
Em meio a esse cenário caótico, Soumaila enfatiza a urgência do acesso a água e alimentos, destacando a decomposição dos corpos de algumas vítimas, o que representa um grave risco sanitário para a população. O prefeito também chamou a atenção para a situação de escuridão causada pela falta de eletricidade, afirmando que a instabilidade resulta em incidentes de violência, à medida que os criminosos aproveitam a fragilidade do momento.
Trabalhadores de resgate atuam em Mayotte após a passagem do ciclone Chido. Créditos: Sécurité Civile via Reuters
Para atender à crescente demanda alimentar, o governo francês anunciou que 20 toneladas de comida e água estão previstas para chegarem à ilha, tanto por via aérea quanto marítima. O governo também se comprometeu a restabelecer 50% do abastecimento de água em até 48 horas, com a expectativa de normalizar 95% até o fim da semana. No entanto, esses esforços podem ser complicados pelos fatores logísticos resultantes da ampla destruição.
Entre as medidas de segurança, o Ministério do Interior da França determinou um toque de recolher a ser implementado das 22h às 4h, em função do aumento da violência na região. Enquanto isso, as operações de resgate estão em andamento, com equipes em busca de sobreviventes entre os escombros das comunidades que foram arrasadas por ventos que atingiram 200 km/h.
O impacto do ciclone Chido não se limita a Mayotte. Em Moçambique, a tempestade já cobrou a vida de pelo menos 34 pessoas, com outros horrores emergindo também de Maláui, onde sete fatalidades foram confirmadas. Imagens de drones provenientes da província de Cabo Delgado, onde já ocorre uma crise humanitária devido a um conflito insurgente, revelam casas de telhado de palha em ruínas e pertences pessoais espalhados entre as poucas palmeiras que ainda permanecem em pé.
Debate político se intensifica sobre imigração e condições de vida na Mayotte
Após uma reunião de emergência do gabinete, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que visitará Mayotte nos próximos dias. O desastre provocou uma rápida troca de acusações entre partidos sobre como lidar com a imigração e os desafios ambientais enfrentados pelo território. Mayotte já estava lidando com agitações e descontentamento popular, especialmente em relação à imigração ilegal e à inflação crescente.
Estima-se que mais de 75% dos aproximadamente 321.000 habitantes de Mayotte vivem em condições de pobreza relativa, enquanto cerca de um terço da população é composta por migrantes em situação irregular, principalmente oriundos das vizinhas Comores e Madagáscar. Essa nova crise humanitária poderá exacerbar ainda mais a insatisfação existente na população local, especialmente considerando que o território já se consolidou como um reduto do partido de extrema-direita Reunião Nacional, com 60% dos votos a favor de Marine Le Pen no segundo turno da eleição presidencial de 2022.
O ministro do Interior interino da França, Bruno Retailleau, afirmou que, embora o sistema de alerta precoce tenha funcionado, muitos migrantes em situação irregular não buscaram abrigo nos locais designados, o que pode ter contribuído para o aumento da mortalidade. As autoridades acreditam que o medo de prisões pode ter impedido essas pessoas de buscar abrigo. Em um momento de crise, Retailleau pediu uma maior atenção ao que chamou de “questão da migração”, indicando que Mayotte é um símbolo das falhas da política imigratória da França.
Pessoas observam os estragos deixados pelo ciclone Chido em Cabo Delgado, Moçambique. Créditos: UNICEF Moçambique via Reuters
Políticos da esquerda criticam as declarações de Retailleau, lembrando que a abordagem à imigração não deve obscurecer a discussão sobre as causas subjacentes das catástrofes climáticas e da pobreza que afetam a população. O presidente do Partido Socialista, Olivier Faure, afirmou que o governo teria se beneficiado mais ao investigar o papel das mudanças climáticas nos desastres naturais com maior frequência, em vez de simplesmente tomar a linha dura contra os migrantes.
Enquanto Mayotte atravessa um dos momentos mais críticos de sua história recente, onde a luta pela sobrevivência se entrelaça com questões políticas profundas e complexas, a comunidade internacional observa atentamente os desdobramentos dessa trágica situação. O caminho para a recuperação pode ser longo e doloroso, mas a necessidade de um diálogo significativo e a implementação de estratégias eficazes nunca foram tão evidentes.