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Com a queda do regime de Bashar al-Assad, a Síria não encontrou a paz que muitos esperavam, mas se tornou um campo de batalha onde diversas potências estrangeiras lutam por influência em um cenário volátil. A situação atual do país pode ser descrita como um verdadeiro xadrez geopolítico, onde cada movimento pode ter consequências devastadoras para a população local e para a estabilidade regional.

Atualmente, com a liderança de fato assumida pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), a Síria continua sob ataques provenientes de países vizinhos e é palco de conflitos internos entre facções com interesses opostos. Há uma preocupação crescente sobre quem, neste novo território pós-Assad, se beneficiará desse vácuo de poder. As ações militantes parecem estar focadas na exploração de fraquezas e no controle territorial, enquanto o caos persiste.

Entre os diversos interessados que buscam vantagens na Síria, destaca-se a Turquia, que visa eliminar militantes curdos armados. Por sua vez, Israel intensificou seus ataques contra as remanescentes capacidades do Exército Árabe Sírio e ampliou seu controle territorial, enquanto os Estados Unidos aumentaram seus ataques contra as forças do ISIS e deslocaram navios de guerra para a região, mostrando que a luta pela influência na Síria ainda está longe de terminar.

Mas vamos dar uma olhada mais de perto nos interesses e nas ações das potência externas na Síria.

Os interesses da Turquia no nordeste da Síria

Historicamente, a Turquia tem interesses significativos na Síria, e sua postura militar tem sido cada vez mais audaciosa. O presidente Recep Tayyip Erdogan já havia afirmado repetidamente a necessidade de realizar uma operação terrestre no norte da Síria para eliminar os combatentes aliados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que é considerado um grupo terrorista por Ancara e Washington. Além disso, essa operação busca criar uma zona segura para o retorno de refugiados.

Após a ofensiva rebelde que começou há quase duas semanas, confrontos entre o exército nacional da Síria apoiado pela Turquia e os militantes curdos no nordeste se intensificaram, exacerbando ainda mais o clima de insegurança na região.

O governo turco vê as forças curdas na Síria como afiliadas ao PKK, embora essas forças tenham sido fundamentais como aliadas dos Estados Unidos na luta contra o ISIS, controlando vastas áreas de território no nordeste sírio. Com a queda aberta de Assad pelos grupos liderados pelo HTS, o combate entre o Exército Nacional Sírio e as forças curdas disparou nas últimas semanas.

O temor de uma incursão turca não diminuiu. Na terça-feira, o Wall Street Journal destacou que, segundo oficiais não identificados dos EUA, a Turquia e seus aliados milicianos estão mobilizando forças nas proximidades de Kobani, uma cidade de maioria curda na Síria, com receios de que uma operação de atravessamento da fronteira seja iminente.

Os bombardeios israelenses e suas consequências

No mesmo dia em que os rebeldes tomaram a capital síria, Damasco, Israel começou a bombardear ativos militares que pertenciam ao regime de Assad. Nos dias que se seguiram, os ataques às instalações militares em território sírio aumentaram, com Israel alegando atingir quase 500 alvos, destruindo a marinha síria e neutralizando 90% dos mísseis superfície-ar conhecidos do país.

De acordo com oficiais israelenses, o alvo desses ataques é garantir que ativos militares não caiam “nas mãos de extremistas”, indicando claramente que Israel está preocupado com a ascensão do radicalismo na região.

Esta imagem aérea mostra os restos de um ataque noturno atribuído a Israel ao centro de pesquisa científica Barzeh ligado ao ministério da defesa síria, ao norte de Damasco, em 10 de dezembro.

Navios de guerra sírios destruídos em um ataque israelense na cidade portuária de Latakia em 10 de dezembro.

O governo israelense comemorou a queda de Assad, um aliado ferrenho do Irã, que permitiu que seu país fosse utilizado como uma rota de reabastecimento para Hezbollah no Líbano. Contudo, Israel também teme as potenciais consequências de radicais islâmicos controlando a Síria, uma situação que representa uma ameaça imediata em suas fronteiras ocupadas nas Colinas de Golan.

As Forças de Defesa de Israel (IDF) iniciaram uma nova fase de avanço, capturando um território adicional na Síria. O IDF agora ocupa o pico mais alto da Síria, o Monte Hermon, o que garante uma visão estratégica sobre o Líbano, a Síria e Israel. Este ponto tinha sido uma zona de buffer que, até a queda de Assad, separava as forças israelenses das sírias por 50 anos.

A IDF continuou seu avanço além do cume, alcançando Beqaasem, aproximadamente 25 quilômetros a partir da capital síria, conforme informado por um grupo ativista sírio conhecido. A CNN ainda não conseguiu confirmar essa alegação de forma independente.

O líder rebelde sírio, Mohammad al-Jolani, acusou Israel de ultrapassar “as linhas de engajamento” com suas ações na Síria, enquanto um grupo de países vizinhos solicitou a retirada das forças israelenses de todos os territórios sírios.

Temores dos EUA sobre o ressurgimento do ISIS na Síria

Os Estados Unidos mantêm uma presença constante na Síria, trabalhando ao lado das Forças Democráticas Sírias (SDF) lideradas pelos curdos, principalmente na luta contra o ISIS. Aproximadamente 900 soldados americanos estão estacionados na região, com a maioria posicionada no nordeste.

Soldados americanos inspecionam o local de um suposto ataque de bombardeio turco dias atrás a uma instalação de extração de petróleo nos arredores de Rumaylan, na província norte-americana controlada pelos curdos de Hasakeh, em 28 de outubro.

Nos últimos anos, as bases dos EUA na Síria sofreram um aumento nas ameaças, especialmente com grupos armados apoiados pelo Irã atacando os ativos norte-americanos em resposta ao apoio dos EUA a Israel. Esses ataques levaram os Estados Unidos a responder com ações aéreas.

Após a queda do regime de Assad, o compromisso dos EUA na luta contra o ISIS tornou-se ainda mais enfático. O Comando Central dos EUA (CENTCOM) continua a realizar ataques em áreas sírias onde acredita-se que operem camps e efetivos do ISIS, temendo que a organização terrorista se aproveite do vácuo de poder decorrente da queda de Assad.

“O CENTCOM, trabalhando com aliados e parceiros na região, não permitirá que o ISIS se reconstitua e aproveite a situação atual na Síria”, afirmou o General Michael Erik Kurilla em um comunicado do CENTCOM.

Recentemente, o CENTCOM afirmou ter eliminado uma dúzia de terroristas do ISIS em ataques aéreos focados em evitar que o grupo busque uma nova base na Síria central.

“Esses ataques recentes são em áreas controladas anteriormente pelo regime e pela Rússia, assegurando que a pressão sobre o ISIS seja mantida”, acrescentou o CENTCOM em seu comunicado.

Uma complexidade adicional ocorreu com o renascimento dos combates entre as SDF, aliadas dos EUA, e os militantes apoiados pela Turquia. Após a deposição de Assad, as SDF relataram que estavam sob ataque de grupos apoiados pela Turquia, alguns dos quais estavam visando instalações de detenção do ISIS que as SDF estavam tentando proteger.

Na semana passada, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, esteve em Ancara, onde se reuniu com seu homólogo turco Hakan Fidan para discutir a situação na Síria e os riscos de um novo conflito no norte que poderia fornecer uma oportunidade para o ressurgimento do ISIS.

Reportagem adicional de Mick Krever, Natasha Bertrand, Katie Bo Lillis e Nechirvan Mando, CNN

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