A prática recorrente de prescrições ilegais de opioides pode ter sido uma das causas do alarmante aumento no número de mortes por overdose nos Estados Unidos. Nesta quarta-feira, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou a abertura de um processo judicial contra a CVS, uma das maiores redes de farmácias do país. A empresa é acusada de preencher prescrições ilícitas de opioides e faturar programas de saúde federais, contribuindo assim para uma epidemia nacional de dependência de opioides e mortes relacionadas. A realidade é estarrecedora e levanta questões sobre a responsabilidade das grandes corporações na crise da saúde pública.
O processo, que foi revelado em um tribunal federal em Providence, Rhode Island, detalha uma série de violações que ocorreram desde outubro de 2013 até os dias atuais, conforme aponta uma queixa recém-desarquivada. De acordo com a acusação, a CVS violou a Lei de Substâncias Controladas ao preencher prescrições de quantidades excessivas de opioides e combinações perigosas de medicamentos. A empresa é acusada de desconsiderar bandeiras vermelhas e recomendações de segurança, priorizando suas metas de performance em detrimento da saúde pública.
Uma das alegações mais perturbadoras do processo é que muitos pacientes morreram por overdoses logo após obterem suas prescrições ilegais em farmácias CVS. Os documentos judiciais afirmam que a CVS preenchia regularmente receitas de médicos conhecidos como “fábricas de pílulas”, que forneciam grandes quantidades de opioides sem uma justificativa médica legítima. A prática não apenas levanta questões éticas e morais, mas também é um exemplo claro de como sistemas inadequados podem resultar em consequências letais para os indivíduos vulneráveis no sistema de saúde.
A CVS respondeu às acusações afirmando que cooperou com a investigação do Departamento de Justiça por mais de quatro anos e que discorda fortemente das alegações, além de considerar que a narrativa contida na queixa é falsa. Em 2022, a rede de farmácias já havia concordado em pagar quase US$ 5 bilhões em um acordo que envolveu milhares de alegações semelhantes de governos estaduais, locais e tribos nativas americanas. Porém, vale ressaltar que o acordo não implicou em confissão de culpabilidade por parte da empresa, que era apenas uma entre uma série de resoluções nacionais que totalizavam cerca de US$ 46 bilhões envolvendo farmácias, fabricantes de medicamentos e distribuidores.
O processo judicial mais recente origina-se de uma denúncia feita por um ex-funcionário da CVS, que alegou que a empresa mantinha uma equipe insuficiente e pressionava seus farmacêuticos a preencher receitas com rapidez, sem checar se as prescrições eram legítimas. O ex-funcionário também relatou que a CVS ignorou alertas de seus próprios colaboradores sobre problemas de segurança. Em uma declaração chocante, um funcionário comentou que “questões de segurança surgem quando se lida com medicação e também se é pressionado a atender um pedido como se estivesse em uma lanchonete”, enfatizando a comparação com uma linha de montagem que despreza a segurança em favor do lucro.
Além disso, o processo revela que a CVS continuou a preencher centenas de prescrições de um médico do Alabama mesmo após múltiplas notas internas alertarem em 2015 que ele estava sob investigação. Esse mesmo médico foi preso em 2016, sublinhando a falta de diligência da CVS em respeitar seus próprios protocolos de segurança. Em outro caso, a empresa preencheu milhares de prescrições para um médico da Pensilvânia, apesar dos alertas internos e comentários online indicando comportamentos questionáveis, como prescrever medicamentos sem atender os pacientes pessoalmente.
Os riscos não são meramente teóricos; o processo inclui relatos de dez pacientes que teriam morrido após preencherem prescrições ilegais para opioides e outros medicamentos na CVS. O impacto da crise dos opioides é devastador: mais de 800.000 pessoas nos Estados Unidos morreram de overdoses relacionadas a opioides de 1999 a 2023, de acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Contudo, dados preliminares indicam que as overdoses começaram a apresentar uma diminuição no ano passado, sugerindo que, embora a luta contra esta epidemia seja árdua, há espaço para esperanças de mudança.
Este caso destaca não apenas a responsabilidade corporativa, mas também a urgência de uma discussão mais ampla sobre a legalidade e a ética em práticas médicas e farmacêuticas. É vital que os consumidores e a sociedade em geral mantenham um olhar crítico sobre como as grandes corporações operam e suas implicações para a saúde pública, pois a luta contra a epidemia de opioides é um esforço que depende da responsabilidade coletiva.
Link para mais informações: Reuters