Quando Katie Koestner, então caloura na College of William & Mary, começou a namorar um garoto, tudo parecia promissor. A jovialidade típica dos primeiros relacionamentos de faculdade logo se transformou em um pesadelo quando, após um jantar, ele ignorou seus apelos e cometeu uma agressão sexual. Este episódio ficou marcado não apenas na vida de Koestner, mas também levantou questões cruciais sobre a credibilidade de denúncias de estupro e o impacto de alegações falsas, especialmente em meio ao recente ressurgimento da polêmica do caso Duke.
A história de Koestner exemplifica o complexo dilema enfrentado por tantas vítimas de agressão sexual. De acordo com ela, antes do ataque, era uma jovem quieta, que frequentemente se mantinha em silêncio frente à zombarias e ao desrespeito. No entanto, após a violação, ela decidiu se posicionar. Foi então que a administração da faculdade a desencorajou de entrar com uma denúncia formal na polícia. Embora o agressor tenha sido considerado culpado em uma investigação interna da escola, ele foi permitido a permanecer no campus, o que culminou em um ciclo de represálias para Koestner, que até hoje a assombram.
As palavras de Koestner ecoam entre defensores de vítimas de agressão sexual, que lembram a sociedade do perigo que representa descreditar alegações de estupro. Este alerta se torna ainda mais pertinente após os desenvolvimentos mais recentes no caso Duke de 2006, onde Crystal Mangum, que acusou três jogadores de lacrosse da Duke University de estupro, admitiu ter mentido. Ao longo dessa odisséia, Mangum se referiu ao seu episódio como um “episódio realmente prejudicial” que destruiu a vida dos homens acusados. As repercussões dessa alegação falsa reverberam na mente de muitos que lutam diariamente para trazer suas próprias experiências de agressão à luz. Scott Berkowitz, presidente da RAINN (Rede Nacional de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual), concorda que casos de acusações falsas, como o de Mangum, podem ter um efeito paralisante sobre outras vítimas, que se tornam relutantes em se manifestar.
Estudos revelam que alegações falsas de agressão sexual variam entre 2% e 10% do total de casos reportados, segundo uma pesquisa publicada no periódico Violence Against Women. Enquanto isso, uma estimativa alarmante sugere que cerca de 63% das agressões sexuais nunca são reportadas à polícia, conforme dados do Centro Nacional de Recursos sobre Violência Sexual. Assim, para cada alegação infundada, há uma quantidade muito maior de relatos autênticos que não chegam ao conhecimento das autoridades.
Koestner, agora fundadora da organização Take Back The Night, enfatiza a importância de não deixar que um caso como o de Duke obscureça a realidade de tantas outras vítimas. Para ela, vale a pena considerar cada denúncia como uma situação única, sem pressupostos ou julgamentos pré-concebidos. “É só um entre milhões de casos. Ouço cerca de 10 histórias de vítimas todos os dias em que falo em escolas — seja em Princeton ou em uma escola pública no Texas”, afirma.
As consequências de silenciar as vítimas de agressão sexual
As vozes de vítimas de agressão sexual frequentemente ecoam em um vazio de receios e inseguranças. Muitos temem não serem acreditadas ou que a polícia não leve seus relatos com seriedade. Outros se preocupam com represálias profissionais, com a possibilidade de suas histórias serem distorcidas ou sua privacidade invadida. À medida que tais denúncias são desvalorizadas, o pânico se instala e as consequências podem ser devastadoras, tanto para as sobreviventes quanto para a sociedade.
“Falsas reportagens como essa realmente agravam esse problema”, ressalta Berkowitz. Para os especialistas, possibilitar que vítimas de estupro se sintam confortáveis ao relatarem suas experiências é essencial para sua saúde mental e recuperação. Além disso, é fundamental para a segurança coletiva das comunidades, pois a impunidade de agressores termina por impactar a sociedade de maneira ampla. Berkowitz explica que uma proporção significativa de estupradores são criminosos em série. Assim, garantir que as vítimas possam reportar crimes é uma forma de prevenir futuras agressões e proteger outras possíveis vítimas.
Infelizmente, muitos sobreviventes optam por silenciar suas experiências, o que pode levar a consequências devastadoras para a saúde delas. Ao investigar as taxas de saúde mental entre vítimas de estupro, o Centro Nacional de Pesquisa em Prevenção da Violência contra Mulheres encontrou que vítimas de estupro têm 13 vezes mais chances de tentarem suicídio em comparação a pessoas que não foram vítimas de crimes. As taxas de PTSD (transtorno de estresse pós-traumático), dependência de substâncias e problemas mentais sérios estão entre os muitos desafios que esses sobreviventes enfrentam ao longo de suas vidas.
Então, como a sociedade pode moldar um ambiente onde as vítimas se sintam seguras para se manifestar? É crucial que as vítimas possam contar com redes de apoio, como amigos e familiares. Koestner destaca que a defesa e o acolhimento podem mudar a vida de alguém durante a fase de recuperação. Ela se recorda de sua própria luta e do impacto que teve a cobertura da mídia sobre sua história em sua vida e carreira. “Falar sobre o que ocorreu me ajudou a transformar o trauma em um propósito: alertar sobre os problemas é o primeiro passo para a prevenção”, observa.
Atualmente, tanto a College of William & Mary quanto outras instituições acabaram mudando suas políticas em resposta a casos como o de Koestner, estabelecendo punições mais rigorosas para agressões sexuais. Contudo, a batalha para assegurar um ambiente acolhedor e seguro para vítimas de agressão sexual permanece em andamento.
Segundo dados de 2015 da RAINN, a cada 68 segundos, uma nova vítima de agressão sexual é registrada nos EUA. As estatísticas são alarmantes e pedem uma reflexão urgente sobre a necessidade de apoio às vítimas de violência sexual. Jennifer Simmons Kaleba, vice-presidente de comunicação da RAINN, ressalta a importância de não deixar que alegações raras e infundadas coloquem um véu sobre a realidade que milhares de sobreviventes enfrentam todos os dias: “Não permita que a infrequente e falsa denúncia impeça que você fique ao lado daqueles que realmente sofreram”, conclui Kaleba.
Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, entre em contato com a linha direta nacional de atendimento a vítimas de violência sexual ou visite online.rainn.org para obter suporte em um chat online confidencial.