Na tarde de um dia fresco e ventoso de segunda-feira, em um momento que ficaria gravado na história dos direitos das mulheres nos Estados Unidos, uma jovem deslumbrante montada em um magnífico cavalo branco emergiu em meio a uma multidão de homens embriagados que se agrupavam na capital do país. Com um manto branco fluindo e uma coroa dourada em sua cabeça, Inez Milholland tornou-se instantaneamente um símbolo do movimento sufragista, calando as vozes do machismo predominante que até hoje ecoam em nossas sociedades.
O dia era 3 de março de 1913, e Inez, na época com apenas 26 anos, estava liderando uma procissão de aproximadamente 5.000 mulheres, a primeira grande manifestação sufragista dos Estados Unidos. Pertencente a uma família rica, Inez não era uma simples herdeira; ela era uma advogada, ativista trabalhista e defensora dos pobres. Seu compromisso com a liberdade de expressão incluía a defesa abertamente do amor livre, o que desafiava as normas da época e estabelecia um novo conceito de autonomia feminina. Para muitos, suas crenças eram rotuladas como radicais, destacando sua luta pela igualdade e pelos direitos das mulheres.
Porém, a trajetória de Inez não foi apenas marcada por conquistas; enfrentou ataques de homens que, em um exemplo de misoginia, tentaram silenciá-la e às marchantes, atacando-as com palavras e gestos violentos. Policiais, que deveriam protegê-las, permaneceram inertes diante da brutalidade, enquanto uma única tropa de escoteiros se fez presente como defensora da causa. Esse incidente não apenas chamou a atenção da imprensa, mas também simbolizou os desafios que as mulheres enfrentavam na busca por seus direitos fundamentais.
Embora Milholland não tenha vivido para ver a ratificação da 19ª Emenda em 1920, que consagrou o direito das mulheres de votar, sua contribuição não pode ser subestimada. Sua dramática trajetória e eloquência trouxeram luz ao movimento sufragista, e sua morte prematura enquanto proferia um discurso em Los Angeles se tornou um chamado à ação que reverberou nas gerações seguintes. Com apenas 30 anos, Inez teve um último clamor: “Senhor Presidente, quanto tempo as mulheres terão que esperar pela sua liberdade?”, um eco que ainda ressoa em nossos ouvidos.
Inez Milholland na manifestação da National American Woman Suffrage Association em 3 de março de 1913, em Washington. (Crédito: HUM Images/Universal Images Group/Getty Images)
No entanto, o legado de Inez poderia ter sido esquecido, mas para resgatar figuras como ela, a ex-professora de governo, Sharon McMahon, lançou o livro “The Small and The Mighty”, que rapidamente conquistou uma posição de destaque na lista dos mais vendidos do New York Times. McMahon ressalta a força e a resiliência de cidadãos que mudaram a América, mesmo enfrentando enormes desvantagens sociais, econômicas e políticas. Sua reflexão é clara: “Os melhores americanos nem sempre são famosos; eles são as pessoas que se arriscaram quando todos os outros disseram para recuar.”
O livro de McMahon é mais do que um relato histórico; é um chamado cívico que pode inspirar a nação em momentos de turbulência. Em um período em que muitos americanos enfrentam desafios e incertezas, as palavras de McMahon podem servir como um bálsamo. Enquanto muitos cidadãos perderam a fé nas instituições americanas, a história do movimento sufragista representa um exemplo do poder da perseverança e da esperança. Existem lições a serem aprendidas, e McMahon articula duas delas que podem ressoar fortemente hoje.
Primeira lição: fazer a ‘próxima coisa necessária’
No livro, McMahon introduz a figura de Virginia Randolph, uma educadora pioneira que superou as barreiras da segregação racial e se tornou uma das maiores educadoras da América, apesar de seus próprios desafios. A história de Randolph nos ajuda a compreender que, mesmo em tempos de desespero, é possível fazer pequenas ações que criam um impacto significativo. McMahon sugere que, em vez de esperar por um líder carismático, devemos nos concentrar nas pequenas coisas que podemos fazer todos os dias. “Uma postura mais útil é fazer a próxima coisa necessária diante de nós”, explica.
Virginia começou a ensinar crianças negras em uma escola rural que era “pouco mais que uma cabana em um lamaçal”. Later, fundou e administrou escolas em vários estados e desenvolveu métodos de ensino que são utilizados até hoje. Isso deixa claro que até mesmo as pequenas ações podem levar a mudanças grandiosas. Assim, McMahon se certifica de que qualquer um de nós pode dar o próximo passo em direção a um futuro melhor.
Segunda lição: recusar-se a desistir das pessoas
No mundo contemporâneo, a luta por igualdade e justiça social continua, e McMahon lembra-nos que, assim como Randolph, é preciso continuar acreditando nas pessoas, mesmo em tempos de polarização intensificada. A historia de Septima Clark, que enfrentou a segregação racial e foi uma das líderes do movimento civil, enfatiza a importância de o diálogo aberto e respeitoso. Clark não apenas lutou pelos direitos dos outros, mas também buscou diálogo até mesmo com aqueles que a combatem. Essa mentalidade é vital, especialmente em um momento em que a sociedade está cada vez mais dividida.
Septima Clark durante uma conferência sobre direitos civis em Birmingham, Alabama, em agosto de 1965. (Crédito: Chris McNair/Getty Images)
O legado de mulheres como Inez Milholland e Virginia Randolph não é apenas um lembrete de que as pequenas ações podem levar a grandes mudanças, mas também uma súplica para que não desistamos dos outros. Vivemos tempos em que a esperança e a fé na capacidade de mudança estão em baixa. Contemplando o impacto de pessoas comuns que desafiaram as expectativas, McMahon nos impulsiona a abraçar a ideia de que a verdadeira força reside em nossas escolhas diárias e que somos todos parte ativa da mudança social.
Assim, ao final, a afirmação de que “a esperança não é apenas um sentimento que desce dos céus” se torna ainda mais relevante; ela é uma decisão que cada um de nós deve tomar. Se não podemos esperar pelos grandes líderes, devemos nos perguntar: o que podemos fazer atualmente para nos tornarmos os agentes de mudança que desejamos ver na sociedade? Nós somos os pequenos que podem se tornar grandes, tal como aqueles que nos precederam.