Criar um roteiro para um filme que retrata a vida na prisão é uma tarefa que exige sensibilidade e precisão. Essa realidade foi vivenciada pelos roteiristas Greg Kwedar e Clint Bentley durante a produção de Sing Sing, um filme que aborda a companhia teatral real conhecida como “Rehabilitation Through the Arts”, localizada no complexo penitenciário de Sing Sing, em Nova York. Bentley, um dos roteiristas, destaca a importância do trabalho realizado ali, descrevendo-o como sagrado. “Se não fizéssemos um bom trabalho fazendo este filme, poderíamos realmente colocar em risco a capacidade de [pessoas atualmente encarceradas] de se comportar nas prisões”, alerta.
No enredo, um ensaio para a nova peça da RTA se torna um ponto crucial quando o protagonista, inspirado na figura real John “Divine G” Whitfield (interpretado por Colman Domingo), enfrenta uma crise emocional ao descobrir que seu pedido de liberdade condicional foi negado. Essa cena, envolta em emoções intensas, foi moldada através da colaboração com os próprios indivíduos da RTA, garantindo que o filme não apenas contasse uma história, mas também respeitasse a verdade das experiências dessas pessoas.
O processo criativo começou quando Kwedar e Bentley se depararam com um artigo na revista Esquire, que os inspirou a se voluntariar no centro prisional. Essa ação não apenas forneceu insights valiosos, mas também levou os cineastas a convidar os atores Divine G e Divine Eye para co-escreverem o roteiro ao lado deles. Essa parceria enriquecedora revitalizou a narrativa, fazendo-a “viva de uma maneira que nunca havia sido antes”, conforme Sprawksley. Tal imersão na realidade das prisões e dos desafios enfrentados pelos artistas encarcerados possibilitou aos roteiristas desenvolverem diálogos e enredos autênticos.
O diálogo da peça dentro do filme, intitulada Quebrando o Código da Múmia, permanece inalterado em relação ao script original escrito por Brent Buell (o voluntário da RTA interpretado no filme por Paul Raci). Kwedar menciona que havia uma magia que residia no balanço entre a brincadeira do trabalho e o ambiente em que estava inserido. “Logo no início, conhecemos Buell, que nos convidou a Nova York para um café da manhã com alguns ex-alunos do programa. O verdadeiro Divine Eye (ator Clarence Maclin, que se interpreta no filme) e o verdadeiro Divine G (John Whitfield) estavam presentes. Se conseguíssemos capturar o sentimento daquela sala, poderia ser especial.”
Um dos momentos mais impactantes do filme ocorre quando Divine G, após uma audiência de liberdade condicional, descobre que as evidências que comprovavam sua inocência foram descartadas, uma representação fictícia, mas profundamente emocional, de sua verdadeira angústia. “Essa cena foi construída sobre um estado emocional real. Precisávamos discutir com Whitfield e Maclin o que isso poderia parecer em termos de script. Não queríamos nunca partir para um lugar que parecesse falso em relação a quem eles eram, mesmo que isso significasse que a versão na tela fosse um pouco diferente da realidade”, explica Bentley.
Da mesma forma, a adição de um diálogo poderoso por Domingo, no qual ele afirma: “Vocês nos dizem para confiar no processo, certo? Bem, o processo está fodido”, foi algo que os roteiristas consideram um passo ousado, mas necessário. Essa linha, que encapsula a dor e a frustração do personagem, não poderia ser escrita nas palavras dos roteiristas, mas surgiu organicamente da performance de Domingo, que se tornou um co-criador da narrativa.
A jornada dos personagens no filme é rica e complexa. Ao longo da narrativa, Divine G tenta encorajar Divine Eye a deixar suas defesas emocionais de lado. Bentley explica que o personagem Divine Eye representa uma ameaça de violência que entra em um espaço que deveria ser sagrado, fazendo a evolução de Divine G — de defensor da paz a alguém que se torna defensivo — uma representação importante de sua evolução emocional. “É fundamental mostrar essa profundidade de desespero”, conclui.
A obra nos convida a refletir sobre as realidades do encarceramento e os processos de reabilitação, colocando em evidência a importância do apoio e compreensão em ambientes que, por muitas vezes, são hostis à expressão artística e emocional. Ao encerrar, Kwedar e Bentley compartilham a gratidão pela rica colaboração e as novas perspectivas recebidas através de suas experiências no Sing Sing, o que não apenas moldou o filme, mas também suas vidas.
Esta história foi publicada na edição de dezembro da revista The Hollywood Reporter. Para assinar a revista, clique aqui.