Após um incêndio catastrófico que devastou a Catedral de Notre Dame em Paris, a emblemática estrutura reabriu suas portas este mês, 5 anos após a tragédia. A restauro foi tão meticuloso que a catedral agora se apresenta quase idêntica à sua configuração original, que remonta a 1163. O projeto colossal de reconstrução simboliza não somente o empenho do povo francês, mas também um marco na integração de tecnologias avançadas, como lasers e drones, que permitiram aos restauradores uma visão sem precedentes do passado arquitetônico do local.
Conforme Amy Bunszel, vice-presidente executiva da Autodesk, uma das principais empresas de software de modelagem 3D envolvidas na reconstrução, ressaltou, o tempo para completar o projeto não teria sido possível sem o registro preciso do que existia antes do incêndio. “Teria exigido muito mais suposições. Imagine tirar milhões de fotografias de turistas como ponto de referência, em comparação a ter uma representação perfeita consolidada”, explicou ao canal CNN.
O uso de tecnologia de digitalização foi fundamental para que a França cumprisse a meta do presidente Emmanuel Macron de reconstruir a catedral em um período de cinco anos. Uma série de avaliações de danos, mapas especialmente criados e técnicas avançadas, agora comuns em animações de filmes e na construção civil, foram integradas neste esforço monumental. Para a sorte daqueles envolvidos, a história da Catedral já havia sido digitalizada antes do incêndio, o que facilitou imenso o trabalho após a tragédia.
Como um bilhão de pontos de lasers se tornou crucial para a restauração
A história da reconstrução de Notre Dame começou algumas anos antes do incêndio, quando o historiador da arte Andrew Tallon, em 2015, escaneou meticulosamente a catedral utilizando lasers. Esta extraordinária empreitada, realizada com uma equipe de engenheiros, resultou em mais de 46.000 imagens e um mapa espacial que usou mais de um bilhão de pontos medidos a laser. Os detalhes revelados por Tallon incluíam até mesmo a curiosidade de que as colunas internas na extremidade ocidental da catedral não estão perfeitamente alinhadas.
Tallon faleceu em 2018, poucos meses antes do incêndio que chocou Paris. Quando os bombeiros finalmente conseguiram apagar as chamas, a maior parte da estrutura havia sido comprometida, incluindo a famosa agulha de 96 metros, que foi destruída ao colapsar sobre o telhado. Enquanto o trabalho feito por Tallon deu grandes insights sobre a estrutura antiga — uma construção que passou por inúmeras modificações ao longo dos séculos –, a documentação por si só não poderia fornecer a precisão necessária para a restauração após o incêndio.
Neste momento crítico, a Autodesk uniu forças com a AGP, uma empresa francesa especializada em laser, para instalar scanners ao redor da catedral e coletar os bilhões de pontos necessários para criar um modelo digital em escala real. O trabalho conjunto foi doado ao projeto Rebâtir Notre Dame, a instituição pública que liderou os esforços de restauração após a catástrofe.
O processo de recuperação pós-incêndio, no entanto, não foi livre de desafios. Bunszel lembrou que a catedral estava extremamente instável logo após a tragédia, exigindo a construção de estruturas temporárias e o monitoramento contínuo por meio de escaneamentos durante o processo de reconstrução. A equipe combinou novas escaneações a laser e filmagens de drones com os escaneamentos anteriores de Tallon, permitindo capturar uma visão completa da estrutura.
Recriando a história e modernizando o icônico marco
O esforço colaborativo levou mais de um ano para criar um novo modelo 3D da catedral, em grande parte devido à complexidade e ao tamanho da estrutura. Ao contrário das metodologias tradicionais de documentação de estruturas históricas, os escaneamentos modernos aceleraram consideravelmente o processo de restauração. Embora a nova catedral preserve sua essência arquitetônica original, ajustes modernos foram incorporados, incluindo novos sistemas de sprinklers e um design de iluminação otimizado.
Além disso, a área em frente à catedral também passou por uma reformulação com a ajuda da tecnologia da Autodesk. A empresa apoiou quatro equipes concorrentes na criação de visualizações em 3D de suas propostas, que foram então submetidas à aprovação pública, culminando na escolha de um projeto vencedor.
A Autodesk, com sua vasta experiência no uso da modelagem 2D e 3D para diversas aplicações, desde cinema a construção civil, tem sido fundamental em iniciativas de recuperação após desastres e preservação histórica. O uso de tecnologia de escaneamento foi especialmente notável em casos como o da catedral de Christchurch, na Nova Zelândia, em 2011, e na preservação de Capitol Michigan e do centro histórico de Brownsville, na Pensilvânia.
Segundo o professor Wladek Fuchs, da Universidade de Detroit Mercy, mais instituições deveriam considerar a digitalização de estruturas relevantes para patrimônio cultural, pois, em caso de desastres, a documentação sólida poderá mitigar os impactos devastadores. Ele está atualmente envolvido em um projeto para reconstruir a antiga cidade de Volterra, na Itália, utilizando modelagem 3D em parceria com a Digital Preservation Workshop da Volterra-Detroit Foundation.
Para a Catedral de Notre Dame, o novo modelo 3D não se resume a uma simples homenagem ao passado, mas é também um investimento que trará benefícios nos próximos anos. “De agora em diante, eles têm uma representação 3D da catedral que podem usar para manutenção”, finaliza Bunszel, “além de planejar o futuro com mais precisão.”
Reportagem adicional de Michelle Lou e Brandon Griggs.