As proibições de aborto implementadas em várias partes dos Estados Unidos têm levantado preocupações significativas sobre a mortalidade materna. Uma investigação conduzida pela ProPublica revelou casos alarmantes de mulheres grávidas que morreram devido a complicações decorrentes dessas restrições. Em estados que impuseram proibições rigorosas, mulheres enfrentaram consequências trágicas, como hemorragias fatais, infecções letais e, em alguns casos, foram encontradas em necrotérios com restos de gestações não expelidas. Esses incidentes deveriam ser examinados de maneira aprofundada pelas comissões estaduais responsáveis pelo monitoramento da mortalidade materna, as quais têm a função de investigar as causas dessas mortes e propor medidas para preveni-las. Entretanto, a falta de investigações adequadas levanta questionamentos sobre a real intenção das autoridades diante dos impactos dessas legislações.
Os dados coletados indicam que as comissões de revisão da mortalidade materna em diversos estados com proibições de aborto têm, em sua maioria, falhado em investigar se essas leis estão contribuindo para a mortalidade materna, incluindo a análise de atrasos no tratamento para complicações na gravidez. O que é ainda mais preocupante é que, em alguns estados, líderes políticos que apoiaram as proibições têm atuado ativamente para dificultar a coleta e análise dos dados necessários. No Texas, por exemplo, a legislação proíbe explicitamente que as comissões revisem mortes que possam ser consideradas relacionadas a abortos, o que pode incluir cuidados referentes a abortos espontâneos.
A ProPublica investigou duas mortes ocorridas no Texas, de Porsha Ngumezi e Josseli Barnica, que já haviam sofrido abortos espontâneos quando receberam medicação para ajudar a completar o processo. As comissões, segundo a presidente do comitê, Dr. Carla Ortique, não analisam casos que envolvem o medicamento misoprostol, pois ele é também utilizado para abortos. Essa restrição limita ainda mais o escopo das investigações, impedindo que o estado compreenda as consequências reais das legislações que foram implementadas. Chris Van Deusen, porta-voz do Departamento de Saúde do Estado do Texas, não confirmou se as mortes de Ngumezi e Barnica seriam analisadas.
Além disso, as autoridades estaduais têm tomado decisões que retardam o trabalho dessas comissões, como a demissão de membros que criticam a proibição de abortos e a desaceleração da coleta de dados. Isso é preocupante, uma vez que as comissões deveriam revisar a mortalidade materna de maneira sistemática, mas, atualmente, algumas ainda nem sequer finalizaram a revisão de mortes ocorridas em 2022, após a Suprema Corte decidir derrubar o direito constitucional ao aborto. Essa lentidão no processo de revisão gera uma defasagem que pode levar anos até que dados relevantes sejam analisados e compreendidos.
Mesmo entre os estados que possuem comitês funcionando, alguns admitiram que não fazem modificações para sistematicamente examinar como as proibições de aborto afetam a mortalidade materna. Embora reconheçam que, caso surjam padrões preocupantes, podem incluir essas informações em seus relatórios, não há uma diretriz clara que indique que a análise do acesso ao aborto deve ser incorporada a esses estudos. Os especialistas que entrevistaram a ProPublica afirmaram que os comitês de revisão são particularmente bem posicionados para examinar os impactos das proibições de aborto na saúde materna, dada a diversidade de profissionais que compõem essas equipes, incluindo obstetrizes e especialistas em saúde mental.
Dados disponíveis relatam que delays em procedimentos médicos, como a dilatação e curetagem, utilizados para tratar complicações de aborto espontâneo e que são também usados para abortos, são um fenômeno observável em estados com proibições. Essa situação leva a consequências trágicas, onde mulheres acabaram morrendo após não conseguirem acessar esses procedimentos em tempo. Exemplos notáveis incluem Nevaeh Crain, que esperou 90 minutos por um ultrassom para confirmar a morte fetal, e Amber Thurman, que sofreu por 20 horas enquanto a sepse progredia em seu corpo, em um contexto onde atrasos no atendimento estão se tornando cada vez mais comuns e perigosos para as gestantes.
A situação revela uma contradição gritante: em estados que instauraram restrições severas ao aborto, as mulheres estão enfrentando não apenas barreiras ao acesso ao aborto em si, mas também a cuidados essenciais que poderiam salvar suas vidas. Essa realidade levanta preocupações éticas acerca da postura dos policymakers em relação ao monitoramento das consequências resultantes das legislações que aprovaram. Os líderes políticos que apoiaram essas medidas não têm mostrado interesse em investigar se as restrições estão de fato acarretando mortes, o que gera um cenário alarmante para a saúde materna no país.
O desapego com que alguns estados estão tratando esse tema é espantoso. Profissionais da saúde, como Caitlin Myers, pesquisadora da Middlebury College, afirmam que, independentemente da posição que se tenha sobre a ética do aborto, é essencial entender como essas políticas estão afetando a saúde das mulheres. Ela enfatiza que se os estados realmente quisessem respostas, deveriam começar a buscar dados sobre as consequências das proibições de maneira eficaz e transparente.
Por fim, enquanto as comissões de revisão da mortalidade materna têm um papel crucial no entendimento das implicações de tais proibições, a falta de coordenação e a resistência política podem agravar ainda mais a crise da saúde materna nos Estados Unidos. As informações deliberadamente omitidas ou negligenciadas por parte de alguns estados poderiam, potencialmente, trazer à luz a necessidade urgente de revisar as políticas atuais e buscar alternativas que realmente protejam a vida e a saúde das mulheres. À medida que a luta pelos direitos reprodutivos continua, a saúde materna deve permanecer no centro da discussão, considerando que cada vida conta.
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