A Grande Muralha da China é um dos símbolos mais icônicos do país, com mais de 2.000 anos de história, e tem inspirado não apenas turistas, mas também artistas ao redor do mundo. Um dos projetos mais inusitados e emocionantes relacionados à muralha foi realizado por duas figuras proeminentes da arte contemporânea: a artista sérvia Marina Abramović e o artista alemão Ulay, que levaram a ideia de uma caminhada simbólica a níveis extraordinários. Ao longo de seus 90 dias de jornada, cada um partiu de um extremo da muralha, encontrando o outro após uma longa e reflexiva travessia. O que parecia ser um projeto emblemático de amor tornou-se, por fim, uma narrativa carregada de complexidade emocional e separação.

Em 1988, Abramović e Ulay começaram suas caminhadas a partir de extremidades opostas da Grande Muralha, nesta que foi uma das performances mais audaciosas da história da arte. Abramović partiu do ponto conhecido como “cabeça do dragão”, enquanto Ulay começou sua jornada no “rabo”, localizado no Deserto de Gobi, a mais de 3.000 milhas a oeste da artista. A ideia inicial era se encontrar no centro da muralha e se casar, mas o que deveria ser um momento de celebração logo se tornaria um símbolo de seus caminhos divergentes e complexidades emocionais.

A relação entre os dois foi marcada pela fama global e pelo reconhecimento como uma duplinha de artes performáticas, mas, ao longo dos anos, também afetada por ciúmes e infidelidades. À medida que a esperança de um futuro juntos se tornava cada vez mais distante, a separação começou a se insinuar na vida de ambos. Mesmo assim, a determinação de completar o projeto foi suficiente para impulsioná-los a seguir em frente. Abramović declarou em uma chamada de vídeo que “um grande amor envolve tudo: amor, ódio, decepção e perdão”, refletindo a profundidade e a complexidade do que os uniu e, subsequentemente, os separou.

A jornada terminou com um encontro em um lugar significativo, entre dois templos que representavam uma parte da história e espiritualidade da região. Abramović, que havia se dedicado a cada passo da caminhada, ficou frustrada ao se deparar com Ulay após uma longa espera, brincando: “Eu queria matá-lo.” A separação foi inevitável, e logo eles foram novamente tomados por suas respectivas trajetórias de vida. Meses depois, durante um reencontro inesperado em 2010 no Museu de Arte Moderna de Nova York, em sua performance “O Artista Está Presente”, a vida de ambos se cruzou mais uma vez, levando a um momento emocional de reconciliação.

Embora a relação de amor tenha chegado ao fim, a parceria artística deixou uma marca indelével na história da arte contemporânea. Seis anos depois do reencontro, Ulay processou Abramović por obras que criaram juntos, trazendo à tona a complexidade jurídica de uma relação que nunca foi simples. Ulay faleceu em 2020, mas sua presença e para cada um dos momentos que viveram juntos permanecem nas memórias de Abramović, que reconhece uma espécie de “universo que tem seus caminhos” quando se deparam um com o outro novamente após anos de separação.

Marina Abramović traz de volta essas memórias em sua nova exposição “Transformando Energia”, no Museu de Arte Moderna de Shanghai, que estará aberta até fevereiro de 2025. A exposição não apenas exibe mais de 1.200 fotos tiradas durante a jornada pela muralha, como também convida os visitantes a refletirem sobre o que significa a arte e a essência do ato performático. Com obras interativas e uma instalação temporal, Abramović reencontra o público em um chamado para desconectar-se do mundo digital e se reconectar com a própria essência através da arte.

Como dissemos, o amor é muitas vezes complexo e, no caso de Abramović e Ulay, o trajeto trilhado ao longo da Grande Muralha representa mais que uma simples jornada: é um retrato de um amor que atravessa barreiras, emocionais e geográficas, e que, apesar de suas inevitáveis separações, ainda permeia a história da arte contemporânea com suas lições de amor, perda e esperança.

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