Bianca Tse é uma artista que vem se destacando no cenário das artes contemporâneas em Hong Kong ao explorar o incrível potencial da inteligência artificial (IA) para criar obras que evocam as memórias da icônica e agora extinta Cidade Amuralhada de Kowloon. Recentemente, uma de suas obras, intitulada “Breathing Room”, foi exposta na Blue Lotus Gallery. Esta foto, que apresenta três homens sentados em banquinhos em cima de uma torre de apartamentos abandonados, exemplifica como Tse consegue capturar a essência da vida em Hong Kong.
Para Tse, a IA encurta o caminho entre suas ideias e sua visão artística. “Eu quero mostrar como essa tecnologia pode coexistir com a criatividade humana, em vez de substituí-la,” afirmou a artista de 43 anos. Em suas imagens, ela combina o fantástico e o real, tecendo referências históricas com suas próprias memórias da infância e o contexto da classe trabalhadora de Hong Kong. Muitas de suas criações são ambientadas em uma versão exagerada pela IA da Cidade Amuralhada, um lugar que já foi o mais densamente povoado do mundo.
A Cidade Amuralhada, demolida na década de 1990, ainda vive na memória dos moradores de Hong Kong. Tse nunca teve a oportunidade de visitá-la, mas sua história sempre a fascinou. Como parte de sua pesquisa, ela conduziu entrevistas e teve acesso a fotografias pessoais raras, permitindo-lhe recriar cenas inspiradas nas vidas dos residentes através de vídeos e imagens gerados por IA. Isso não só ajuda a preservar a memória dessa comunidade única, mas também proporciona uma nova interpretação artística de experiências passadas que poderiam ser facilmente esquecidas devido ao avanço da urbanização.
O uso de IA na arte desencadeou um debate dividido entre os artistas. Enquanto alguns expressam suas preocupações quanto ao uso não autorizado de seu trabalho na formação de modelos de IA, Tse argumenta que ferramentas como o Midjourney oferecem a possibilidade de criar obras que seriam impossíveis de serem produzidas por métodos tradicionais. “Eu não preciso contratar atores ou montar cenas elaboradas. Isso economiza muito tempo e dinheiro,” explica ela, refletindo sobre as limitações que costumava enfrentar antes do advento dessa tecnologia.
Uma Nova Perspectiva sobre o Cotidiano de Hong Kong e a Cidade Amuralhada
Tse se destaca por sua habilidade em misturar realismo e surrealismo em suas obras. Em seus trabalhos, ela incorpora detalhes que normalmente passam despercebidos nas representações distópicas e cibernéticas da cidade, tais como a forma como a tinta descama, as paredes de concreto manchadas e os telhados de metal ondulado que enferrujam. É uma forma de trazer à tona a beleza da imperfeição que existe na vida cotidiana de Hong Kong.
As pessoas retratadas em suas imagens são reconhecíveis e familiares. Gere se pode observar os trabalhadores da construção, uma mulher em uma barbearia local e os homens sentados em seus banquinhos. Essa conexão íntima com as nuances da vida da cidade permite que o público experimente uma sensação de autenticidade. Tse explora a dualidade da vida em Hong Kong, onde a pobreza e a felicidade coabitam serenamente. Em sua obra “Imaginary Friends”, por exemplo, uma menina aparece cercada por sacos de lixo que se transformaram em animais de pelúcia, uma alegoria baseada nas lembranças de sua infância esperando por sua mãe em uma loja durante a chuva.
Por meio de sua arte, Tse apenas não oferece uma representação visual, mas também um convite à reflexão sobre a condição humana e as narrativas que moldam Hong Kong. A artista reflete sobre como ela cresceu em ambientes temporários e humildes, mas isso não diminuiu a alegria de sua infância. “Eu só percebi que era pobre quando cresci”, confessa. “Tive uma infância realmente feliz, talvez por causa da falta de orientação parental, pois meus pais trabalhavam muito. Eu explorava livremente, especialmente após a escola.”
A Colaboração e a Criação de Imagens Realistas com IA
Fazendo uso de softwares de IA generativa, Tse conseguiu desnudar o medo da obsolescência da arte humana. Ela acredita que a verdadeira habilidade está em converter ideias em imagens significativas. Para ela, o ato de criar com IA exige pensamento e uma visão clara. Ela diferencia isso do simples ato de gerar imagens, enfatizando que o verdadeiro desafio está em dar vida às ideias, algo que não pode ser feito de forma simplista apenas utilizando uma palavra-chave.
Um exemplo prático de sua abordagem foi a colaboração com o renomado fotógrafo Greg Girard na recriação de uma fotografia que ele não conseguiu capturar nos anos 1980. O famoso momento que ele perdeu seria a imagem de uma comissária de bordo descendo de um táxi e caminhando para a Cidade Amuralhada. Tse trabalhou arduamente, alimentando o Midjourney com uma série de prompts, até chegar a uma versão que Girard descreveu como “muito próxima” de sua lembrança. “Parece um pouco desconcertante, mas também satisfatório ter alguém criando uma imagem do que estava na minha cabeça,” afirmou Girard.
Conselhos e Reflexões Finais sobre a Arte e o Futuro da Criatividade
Bianca Tse é, indiscutivelmente, um exemplo vivo da capacidade de transformar as adversidades em arte, ao mesmo tempo em que abraça inovações tecnológicas de forma crítica e inspiradora. Ela acredita que a arte, especialmente num mundo cada vez mais saturado por inovações, não pode ser simplesmente reduzida a algoritmos e programações. Ao contrário, ela defende que a essência da criação humanizada é insubstituível, propondo que a verdadeira magia reside na habilidade de uma pessoa contar sua história. Assim, a jornada de Tse na arte continua a inspirar, lembrando a todos nós que a arte é uma ponte entre o passado e o presente.