Nova York
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Os trágicos incidentes que ocorreram esta semana em Nova Orleans e Las Vegas colocaram a Turo, uma plataforma de aluguel de veículos, sob os holofotes, uma vez que os carros utilizados em ambos os ataques foram alugados através de seu marketplace. Este tipo de situação levanta questões importantes não apenas sobre a segurança pública, mas também sobre os riscos que as startups de compartilhamento de veículos enfrentam.

A Turo se define como um “serviço de compartilhamento de carros entre pares”, permitindo que usuários aluguem veículos diretamente de seus proprietários. Isso contrasta com as empresas de aluguel tradicionais, como Hertz e Avis, que possuem suas próprias frotas. Essa abordagem inovadora é muitas vezes comparada ao modelo da Airbnb, mas voltado para automóveis. Apesar de já existir há mais de uma década, ganhou notoriedade de forma significativa em 2021, quando uma escassez de carros fez com que os preços dos aluguéis nas empresas tradicionais disparassem.

Infelizmente, os ataques ocorridos recentemente podem ter um impacto severo na imagem da Turo, que estava em busca de uma *oferta pública inicial* lucrativa. A empresa já havia reconhecido o risco de danos financeiros e à sua marca decorrentes de fatalidades e incidentes envolvendo veículos alugados por meio de sua plataforma. O reconhecimento dessa vulnerabilidade faz parte de um cenário complexo que a Turo precisa navegar enquanto busca expandir seus negócios.

Em uma declaração emitida na quarta-feira, a empresa confessou, com “coração pesado”, que os veículos alugados em sua plataforma estiveram envolvidos nos dois ataques. “Nossa equipe de confiança e segurança está trabalhando ativamente com as autoridades da lei para compartilhar qualquer informação que possa ser útil em suas investigações”, afirmou a Turo. “Não acreditamos que os locatários tivessem antecedentes criminais que os identificassem como uma ameaça à segurança, e atualmente não temos informações que indiquem que os dois incidentes estão relacionados. A Turo está comprometida em promover um marketplace confiável.”

Com isso, muitos se perguntam: como funciona a Turo e o que os incidentes recentes podem significar para o futuro da empresa?

Como funciona a Turo?

Turo se autodenomina o “maior marketplace de compartilhamento de carros do mundo”, com 350.000 anúncios de veículos ativos e 3,5 milhões de “hóspedes” que utilizam a plataforma, abrangendo cinco países até o final de setembro, conforme um *documento de registro* da empresa para sua proposta de IPO. Esse grande número é surpreendente, especialmente em um cenário onde o compartilhamento de carros está se tornando cada vez mais popular em meio às mudanças nas preferências de mobilidade da população.

Contudo, um dos aspectos que diferencia a Turo das empresas de aluguel tradicionais é que, na realidade, a empresa não possui carros para alugar. A plataforma permite que os proprietários listem seus veículos para o aluguel, e a Turo recebe uma comissão de cada transação. Isso significa que, ao contrário das empresas de aluguel convencionais, a Turo evita os custos de aquisição e manutenção de uma frota de veículos e frequentemente opera fora do mesmo conjunto de regulamentações que afetam as locadoras tradicionais.

Sua ampla seleção de veículos inclui opções além dos carros econômicos dominantes nas locadoras tradicionais, oferecendo desde carros de luxo até modelos exóticos, como Ferraris e o infame Tesla Cybertruck explodido nas proximidades de um hotel Trump em Las Vegas no último ataque. Essa variedade certamente atrai uma clientela diversificada e preocupada com status e exclusividade.

O negócio da Turo disparou após o término da pandemia de Covid-19, quando os preços dos aluguéis tradicionais estavam nas alturas.

Apesar de que alguns proprietários alugam carros que normalmente estariam em uso pessoal, muitos dos que alugam veículos na plataforma possuem carros especificamente com a intenção de alugá-los. Os locatários precisam de uma carteira de motorista, validada pelo aplicativo, e devem ter pelo menos 18 anos nos Estados Unidos, mas não precisam de seguro de carro pessoal, diferentemente das empresas de aluguel tradicionais. Isso coloca em evidência uma fraqueza do sistema, já que um seguro mais abrangente poderia prevenir problemas no futuro.

A Turo cresceu rapidamente após a pandemia, uma vez que os viajantes começaram a retomar suas atividades nas estradas, mas hesitaram em pagar os altos preços das locadoras tradicionais. Em 2021, a receita da empresa cresceu 213% em relação ao ano anterior; nos primeiros nove meses de 2024, sua receita subiu 8%, em comparação com o mesmo período do ano anterior, chegando a US$ 722 milhões, conforme o *documento de registro* mencionado anteriormente. Isso reflete uma tendência de crescimento que surpreendeu muitos analistas do setor.

Até o momento, a Turo indicou planos de se tornar pública em 2022 sob o código de ações “TURO” e tem atualizado regularmente seu prospecto de IPO junto à Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission – SEC), embora não esteja claro quando a empresa pretende listar suas ações na Bolsa de Valores de Nova York. Estar em um processo de IPO em meio a crises de reputação traz uma pressão adicional que pode complicar ainda mais sua situação.

O *documento de risco* da Turo reconhece que, “podemos ser responsabilizados pelas atividades de anfitriões e hóspedes, o que poderia prejudicar nossa reputação, aumentar nossos custos operacionais e afetar de maneira adversa nossos negócios, resultados financeiros e condição financeira”. Isso representa uma situação delicada, uma vez que o dano à reputação pode ser significativo em um mercado tão competitivo.

Além disso, o documento menciona explicitamente a exposição da empresa ao risco de que veículos alugados em sua plataforma sejam usados para atividades criminosas. É uma realidade sombria que pode afetar a percepção pública da marca e, consequentemente, sua operação.

A situação não é alheia para a Turo, que possui um entendimento claro dos desafios que enfrenta. “Nós e nossos anfitriões e hóspedes ainda podem ser alvo de reivindicações de responsabilidade baseadas em violações de trânsito ou veículos, acidentes, fatalidades, lesões, danos materiais, roubos ou até mesmo anéis de crime organizado, ou outros incidentes semelhantes que tenham ocorrido durante ou após uma reserva feita em nossa plataforma”, afirma o documento. O reconhecimento de riscos tão amplos enfatiza a necessidade de uma gestão de risco robusta dentro da empresa.

Mesmo no caso em que a empresa não seja considerada responsável, os custos relativos a tais reivindicações podem ser imensos. “Mesmo que essas reivindicações não resultem em responsabilidade para nós ou nossos anfitriões e hóspedes, podemos incorrer em custos significativos ao investigar e defender-nos contra elas, e tais reivindicações, se tornarem públicas, podem desestimular anfitriões ou hóspedes a continuar usando nossa plataforma”, pontua o documento.

A empresa, sem dúvida, enfrentará a responsabilidade de compensar os proprietários dos veículos envolvidos nos ataques. A Turo informou que, nos Estados Unidos, reembolsará os anfitriões pelo reparo de veículos elegíveis até o valor em dinheiro de seu carro ou US$ 200.000, o que for menor. O valor da franquia do anfitrião depende do percentual dos ganhos com corridas agendadas utilizando seus carros que ele escolher receber, segundo o site da empresa. O que gera uma responsabilidade financeira ainda maior para a Turo.

Todos os bookings na Turo também incluem até US$ 750.000 de cobertura de responsabilidade civil a terceiros, fornecida pela companhia de seguros Travelers, para cobrir danos corporais e materiais a terceiros, com a opção de os hóspedes adicionarem cobertura suplementar mediante pagamento adicional. Essa proteção poderia ser um fator importante diante dos eventos recentes, onde as vítimas dos ataques se tornam o foco da preocupação.

A companhia Travelers não respondeu imediatamente a um pedido de comentário da CNN sobre seus planos quanto à compensação das vítimas dos dois ataques, que resultaram na morte de pelo menos 16 pessoas e dezenas de feridos. O que indefinidamente deixa as partes afetadas em uma posição vulnerável e preocupante.

–Chris Isidore e Eric Levenson da CNN contribuíram para este relatório

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