A jornada de Jason De León, professor da UCLA e antropólogo, em sua extensa pesquisa sobre migração e tráfico de pessoas no México, revela um cenário complexo que desafia as percepções comuns sobre o tráfico humano. Em uma recente entrevista, De León compartilhou suas descobertas e insights, iniciando com uma conversa que teve em 2015, quando se aventurou além dos limites do abrigo de migrantes onde estava hospedado. Nesse abrigo, as freiras alertaram: “Não vá para fora. É lá que estão as pessoas más.” Intrigado e curioso, De León seguiu seu instinto e decidiu conhecer essas ‘’pessoas más’’.
Do lado de fora, ele encontrou jovens que se apresentaram como guias, ou “guías”, de migrantes tentando chegar aos Estados Unidos. Essa interação inicial foi fundamental para reorientar o curso de sua pesquisa. Ao se identificar como um antropólogo, De León perguntou o que eles faziam, e a resposta revelou um mundo sombrio e multifacetado de que ele não tinha plena consciência. Agora, em seu mais recente livro intitulado “Soldiers and Kings: Survival and Hope in the World of Human Smuggling”, ele mergulha nas complexidades do tráfico humano, explorando as motivações, as dificuldades e as realidades vividas por essas pessoas, conduzindo assim suas experiências de vida para além dos estereótipos da mídia convencional.
De León começou sua pesquisa sem intenção de retornar ao tema da migração, após relatar as mortes ao longo da fronteira EUA-México em seu primeiro livro. Contudo, ao ser confrontado pela pergunta simples de um dos jovens guias – “Por que você não escreve sobre nós?” – De León viu uma oportunidade de dar voz àqueles que muitas vezes são vistos apenas como vilões no drama migratório. Com isso, ele passou sete anos observando e documentando as vidas dos traficantes de seres humanos, revelando uma narrativa que destoa dos relatos sensacionalistas comuns.
Durante suas pesquisas, tornou-se evidente que muitos traficantes, como Roberto, um jovem de Honduras, eram também vítimas de suas circunstâncias. A vida de Roberto, marcada por uma tentativa de escapar do tráfico e que acaba em tragédia, exemplifica as armadilhas nas quais muitos jovens se encontram, forçados a entrar em atividades ilegais por falta de opções. De León enfatiza que muitos desses traficantes não são os monstros que a sociedade muitas vezes pinta, mas sim indivíduos lutando para sobreviver em um sistema que os oprime.
Com a intensificação dos riscos enfrentados pelos migrantes, que agora incluem aumento de assaltos, sequestros e homicídios, De León defende a ideia de que os traficantes também enfrentam perigos semelhantes. Ele observa que a maior parte dos traficantes é, paradoxalmente, composta de pessoas em situação de vulnerabilidade, lidando com os mesmos perigos que seus clientes enfrentam. Esta visão mais matizada é essencial para ajudar a sociedade a entender que as situações não são tão simples quanto a narrativa geralmente apresentada nos meios de comunicação leva a crer.
Durante a entrevista, De León também discutiu suas reflexões sobre a forma como a política de imigração, especialmente com o retorno da administração Trump, poderia impactar o mundo do tráfico de pessoas. Ele compartilhou que, apesar da retórica anti-imigração, os traficantes muitas vezes veem um aumento na demanda e na lucratividade durante administrações que fomentam o medo e a incerteza. Isso se traduz em preços mais altos cobrados aos migrantes que buscam atravessar a fronteira, uma vez que a percepção de risco aumenta os custos do “serviço” prestado pelos guias.
Ele também identificou uma falta generalizada de organização e estrutura dentro dos grupos de traficantes, quebrando a noção de que existiriam grandes redes de crime altamente organizadas, como frequentemente disseminado. De León encontrou muitos dos traficantes que conheceu relacionados ao medo, à falta de comunicação e à incerteza, reafirmando que muitos operam em condições caóticas e de alto risco, onde erros podem culminar em consequências fatais rapidamente.
Em última análise, De León espera que sua pesquisa e seu livro contribuam para uma maior compreensão sobre a migração, a complexidade do tráfico humano e o papel que todos nós temos na cadeia de consumo que envolve esses serviços. Ele acredita que a sociedade precisa reconhecer que, de certa forma, todos estão implicados na economia do tráfico, visto que muitos empregadores e consumidores se beneficiam do trabalho que os imigrantes fazem. Portanto, ele conclui com um aceno à necessidade de uma abordagem mais humanitária e compreensiva sobre as questões de migração e tráfico de pessoas.
Com o objetivo de adicionar nuances à discussão sobre migração, De León enfatiza que, em última análise, a migração é uma parte intrínseca da experiência humana e que deve ser abordada com empatia e compreensão, tanto na teoria quanto na prática. A narrativa que emergiu de sua pesquisa é uma chamada à ação para que todos nós olhemos mais de perto e questionemos o sistema e as forças que moldam as vidas daqueles que cruzam fronteiras em busca de uma vida melhor.
A história de Jason De León e sua pesquisa profunda oferecem uma perspectiva indispensável sobre as realidades do tráfico humano e a luta diária dos migrantes, que são frequentemente reduzidos a meros números em estatísticas. a abordagem dele não apenas ilumina a complexidade do fenômeno, mas também nos convida a reconsiderar nossa visão sobre quem realmente é o traficante e quem são as verdadeiras vítimas nesse cenário.