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Com a iminente volta de Donald Trump ao poder, mesmo antes de seu juramento, as consequências de sua influência já estão sendo sentidas em todo o espectro político e judicial. É inegável o impacto que sua reeleição tem sobre os esforços do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) para prender e processar os apoiadores que invadiram o Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021. Desde o início das investigações desse caso emblemático, mais de 1.570 prisões foram realizadas, transformando essa operação em uma das maiores investigações criminais da história americana. Entretanto, à medida que novos dados surgem e a tensão política se intensifica, o caminho para a justiça parece se complicar mais do que nunca.
O DOJ, junto com agentes do FBI, tem se empenhado em uma investigação histórica que gerou resultados significativos ao longo dos últimos quatro anos. O clima atual, no entanto, não é otimista. A expectativa de que Trump utilize a presidência como uma plataforma para conceder perdões presidenciais a esses rioters está causando um impacto direto na moral das equipes envolvidas na investigação. Fontes afirmam que a quantidade de casos de plea bargain (acordos de confissão) está diminuindo, uma vez que muitos réus hesitam em fazer acordos, possivelmente por terem esperança de que num futuro próximo serão perdoados. Sem dúvida, esse é um cenário preocupante que pode afetar diretamente a credibilidade do sistema de justiça.
Por fim, a situação é ainda mais alarmante, já que os investigadores decidiram priorizar a busca por foragidos envolvidos na violência naquele dia fatídico. Os rioters que brecharam o Capitólio, mas não participaram ativamente da luta, podem acabar sem responsabilização por suas ações. “Às vezes, parece que estamos apenas rearranjando as cadeiras do convés do Titanic”, disse um oficial federal que está diretamente envolvido nesse trabalho.
Negociações de acordo congeladas
Particularmente no que diz respeito aos casos derivados dos eventos de 6 de janeiro, as estatísticas revelam que a grande maioria dos casos federais é resolvida através de acordos de confissão. Aproximadamente 1.250 dos 1.570 processos relacionados ao tumulto já foram resolvidos, com cerca de 80% desses resultados se traduzindo em uma confissão de culpa. Contudo, a maioria das negociações está estagnada devido à recente vitória eleitoral de Trump, pois os advogados dos réus hesitam em firmar acordos, temendo que um perdão presidencial possa estar no horizonte. Nesse contexto, a estratégia de defesa dos réus passou a ser não negociar, mas aguardar a possível anistia assim que Trump assumir o cargo novamente.
Um advogado que representa muitos dos réus do dia 6 de janeiro comentou que muitos estão agora mais entusiasmados com a possibilidade de um perdão do que com a ideia de aceitar acordos com os promotores: “Que advogado de defesa iria fazer um acordo para seu cliente neste momento?”, indagou. Assim, o foco das defesas não está mais em defender um interesse imediato, mas em assegurar que seus clientes possivelmente sejam considerados no futuro para um perdão — se Trump decidir conceder clemência em uma base de caso a caso, como ele anunciou que faria.
Prioridade para os casos de felonia
A situação é ainda mais desalentadora com o FBI emitindo uma nova diretriz interna, indicando que a investigação não apenas continuaria, mas se concentraria em pessoas suspeitas de cometerem delitos, especialmente aqueles que atacaram policiais no dia do tumulto. Como os casos de misdemeanor (crime menor) começaram a ocupar o foco das investigações, muitos destes agora podem permanecer sem acusação.
Ex-autoridades, como Andrew McCabe, ex-diretor adjunto do FBI, também concordam que é uma questão ética ponderar o uso adequado de recursos e os riscos que essas decisões podem envolver dado o cenário atual. “De forma muito real e prática, agentes e promotores precisam considerar se vale a pena prosseguir com uma acusação se há boas chances de que ela será barrada pelo presidente”, destacou McCabe.
Na prática, um número significativo de casos de pessoas que invadiram o Capitólio pode nunca ser processado, paralisando o trabalho de muitos sentenciadores ao longo dos anos. Apesar de alguns avanços ainda serem observados, como as recentes prisões de indivíduos que atacaram policiais, a magnitude da investigação ainda é vasta e enfraquecida devido à incerteza que Trump traz ao quadro político.
A moral da investigação despencou
Descrever a amplitude da investigação que envolve os eventos de 6 de janeiro é uma tarefa árdua. Com centenas de oficiais viabilizando um trabalho minucioso de mais de quatro anos, a dedicação neste caso colossal não se reflete nas expectativas que se colocam em sua conclusão. A insatisfação e desânimo resultado da crescente influência política são visíveis. Além disso, a incerteza se alguma ação será bem-sucedida pode afetar negativamente a moral dos oficiais que estão investindo sua energia e tempo para garantir que a justiça seja feita.
O próprio ex-diretor adjunto do FBI ressaltou que esse é um “trabalho imenso” para a instituição. O peso que a pressão política coloca sobre a moral de agentes cada vez mais desmotivados não é uma fase simples de se passar. “Agentes e promotores nunca ficarão ricos ou se tornarão famosos; é sobre fazer justiça diariamente”, completou McCabe.
Ainda que Trump tenha prometido conceder perdões logo ao assumir o cargo, ele não se manifestou quanto à intenção de encerrar as investigações em torno dos tumultos. Especialistas acreditam que uma decisão nesse sentido seria um grande abuso de poder, mas explicitamente dentro de sua autoridade. Contudo, ações mais drásticas podem ser necessárias após a confirmação de alguns de seus indicados ao DOJ no Senado.
Em um contexto de desilusão e frustração, o cenário político apresenta uma luta contínua pela justiça. “Nossa moral pode ter sofrido um golpe, mas isso não significa que vamos parar, ou que nos tornamos mais fracos”, afirmou um oficial de aplicação da lei à CNN. “Em uma maratona, você pode sentir uma câimbra. Isso acontece. Mas isso não significa que você abandona a corrida. Você supera isso e termina forte.”