Hong Kong
CNN
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Na última segunda-feira, um cineasta chinês enfrentou um tribunal em Xangai, acusado de “provocar desordem”. O motivo? O seu documentário sobre os protestos em massa que ocorreram na China no final de 2022 em resposta às restrições severas da Covid-19. Num país onde as vozes dissidentes são frequentemente silenciadas, a obra de Chen Pinlin, conhecido como “Plato”, se torna um símbolo de resistência e liberdade de expressão.
O tribunal de Xangai, o Baoshan People’s Court, havia notificado Chen para comparecer ao julgamento, que está agendado para a tarde de segunda-feira. A acusação de “provocar desordem” é um recurso comum do governo chinês para calar críticos, ativistas, advogados e jornalistas, podendo resultar em até cinco anos de prisão para a primeira infração.
Alegações de desordem pública, como as que pesam sobre Chen, são frequentemente aplicadas de forma vaga, e visam intimidar aqueles que se opõem ao regime. Chen foi preso em janeiro de 2024, apenas alguns meses após o lançamento de seu documentário que celebrava o primeiro aniversário dos “protestos da folha em branco”, nome dado às manifestações que ocorreram em resposta à rígida política de zero-Covid do governo.
Os protestos em questão foram os maiores já vistos na China nas últimas décadas e representaram um desafio sem precedentes ao presidente Xi Jinping. Estas manifestações foram desencadeadas por um incêndio mortal em um prédio de apartamentos em Urumqi, que muitos acreditavam que havia sido exacerbado pelas medidas de lockdown. A tragédia gerou uma onda de raiva pública após quase três anos de bloqueios, testes em massa e dificuldades financeiras.
As manifestações ecoaram pela China, atingindo uma escala que não se via desde o movimentado levantamento estudantil de Tiananmen em 1989. Universidades e ruas das principais cidades se tornaram palcos de agitação, em que milhares clamaram por um fim à política zero-Covid, denunciando também a censura governamental e exigindo maior liberdade política.
Entre os modos de protesto, muitos levantaram folhas em branco, uma metáfora poderosa que simbolizava a censura generalizada que sofrem na China. Essa ação tornou-se tão emblemática que os protestos passaram a ser conhecidos como “protestos da folha em branco”.
Em um ato de ousadia que fashionaria desafios ao Estado, alguns manifestantes em Xangai chegaram a pedir a renúncia de Xi Jinping, uma ação que teria sido impensável sob a era autoritária que marca a política moderna chinesa.
Apesar da energia e intensidade que marcaram os protestos, eles foram rapidamente abafados por uma violenta repressão por parte das autoridades. Por fim, o governo chinês decidiu abolir abruptamente as restrições da Covid, embora não tenha feito menção direta aos protestos em qualquer declaração pública.
O documentário de Chen, intitulado “Caminho do Meio em Urumqi” no idioma original, foi lançado em plataformas bloqueadas na China, como YouTube e X. Desde então, suas contas foram removidas, um reflexo do poder e controle que o governo exerce sobre a informação e a mídia.
No título em inglês, “Not the Foreign Force”, Chen buscou usar sua obra para contra-atacar a narrativa governamental que tenta atribuir as manifestações a “forças externas”, uma tática habitual da propaganda do Partido Comunista para justificar o descontentamento público.
Chen, como muitos dos jovens que se manifestaram, estava pela primeira vez expressando suas demandas políticas, ao se juntar aos protestos emblemáticos na cidade de Xangai no dia 26 de novembro de 2022.
Ao criar o documentário, ele desejava não apenas relatar sua experiência pessoal, mas também explorar questões mais amplas sobre a verdade e a censura. “Espero explorar por que, quando ocorrem conflitos internos na China, as forças externas sempre são feitas de bodes expiatórios. A resposta é clara para todos: quanto mais o governo desinforma, esquece e censura, mais devemos nos manifestar, lembrar os outros e manter viva a memória histórica”, afirmou.
Organizações de direitos humanos em todo o mundo têm clamado pela liberdade de Chen desde sua prisão, denunciando sua condenação como um ataque à liberdade de expressão.
“Ele sempre serviu ao interesse público ao relatar os protestos históricos contra os abusos do regime e nunca deveria ter sido preso. Pedimos às democracias que aumentem a pressão sobre as autoridades chinesas para que todas as acusações contra Chen sejam retiradas”, afirmou a Repórteres Sem Fronteiras em uma declaração divulgada em março.
O sistema judiciário chinês, conhecido por sua opacidade e lealdade ao Partido Comunista, possui uma taxa de condenação superior a 99%. Os julgamentos são frequentemente realizados a portas fechadas, em um ambiente onde a luta pela liberdade de imprensa enfrenta grandes desafios. Na classificação anual de liberdade de imprensa da RSF, a China ocupa a 172ª posição entre 180 países.