Saylorsburg, Pensilvânia — A morte de Fethullah Gülen, um renomado clérigo islâmico e figura controversa, marca o fim de uma era repleta de influência e contestação. Accusado de ser o idealizador da tentativa de golpe fracassada na Turquia em 2016, Gülen viveu em autoexílio nos Estados Unidos, onde passou seus últimos anos em um retiro isolado na Pensilvânia, influenciando milhões de seguidores. A confirmação de seu falecimento foi feita pela inteligência turca, com o ministro das Relações Exteriores, Hakan Fidan, anunciando a notícia em uma conferência de imprensa. Abdullah Bozkurt, ex-editor do jornal Today’s Zaman, que está em exílio na Suécia, também confirmou a morte por meio da conversa com o sobrinho de Gülen, Kemal.
Vida e legado de um clérigo polêmico
Gülen, que completou 82 anos, teve sua saúde debilitada nos últimos anos, refletindo um destino triste para um homem que, durante sua vida, teve uma importante influência dentro e fora da Turquia. Nascido em Erzurum, na Turquia, e com sua data de nascimento oficial contestada, Gülen dedicou sua vida a pregar uma mistura de sufismo com uma firme defesa dos direitos democráticos, educação e diálogo inter-religioso. Vindo de uma retórica de amizade e colaboração com o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, Gülen rapidamente se tornou um dos adversários mais temidos do líder ao criticar sua crescente tendência autoritária. Ele denunciou Erdoğan como um tirano, enquanto, em contraponto, Erdoğan acusou Gülen de ser o mentor de um esquema terrorista.
O golpe de 2016 e as consequências desastrosas
A noite fatídica de 15 de julho de 2016, quando tropas tentaram derrubar o governo, trouxe à tona o papel de Gülen e sua organização, conhecida como Hizmet. Militantes utilizaram tanques, aviões de guerra e esquadrões de bombardeio para capturar o governo, resultando em 251 mortes e ferimentos em cerca de 2.200 pessoas. Embora tenha negado estar envolvido no golpe, os governos turcos subsequentemente creditavam a Gülen uma série de expurgos, prisões, demissões em massa e o fechamento de escolas e organizações de mídia associadas a ele. O governo turco iniciou uma cruel repressão contra suas atividades, colocando Gülen na lista dos mais procurados e exigindo sua extradição da América, infundindo um clima de guerra fria entre os dois países.
Os anos após o golpe foram devastadores para o movimento de Gülen na Turquia, levando à prisão de dezenas de milhares de pessoas e à demissão de mais de 130.000 servidores públicos, além do encerramento de mais de 23.000 militares. Os impactos foram sentidos tanto na vida cotidiana quanto nas instituições educacionais e de mídia. Enquanto essa repressão se intensificava, Gülen se pronunciava a respeito, chamando o que se passava de caça às bruxas e condenando os líderes turcos à condição de tiranos responsável pela repressão de cidadãos inocentes.
Acontecimentos da vida de Gülen nos Estados Unidos
Desde sua chegada aos Estados Unidos em 1999, onde buscava tratamento médico, até sua morte, Gülen manobrou suas atividades dentro de um resguardo em um centro de apoio islâmico nas Montanhas Pocono. Sua presença rara expôs uma vida de solidão, longe da política direta, mas sempre ciente de sua influência através da extensa rede de suportes e seguidores ao redor do mundo. Ele dedicou suas últimas décadas à oração e meditação, recebendo visitas de admiradores e religiosos que ainda acreditavam em sua visão de uma sociedade unida e tolerante.
Embora tenha sido uma figura polarizadora, e longos anos de conflitos com Erdoğan tenham afetado o prestígio de sua imagem na Turquia, os seguidores de Gülen construíram um vasto e solidário império educacional e comercial. Ele é creditado pela criação de várias escolas, hospitais e instituições de caridade, não apenas na Turquia, mas também em mais de 100 países, incluindo os Estados Unidos, onde operacionalizou mais de 150 escolas charter financiadas com recursos públicos.
A incerteza do futuro após sua morte
Com a morte de Fethullah Gülen, surge a incerteza sobre o futuro do movimento que ele fundou. Seus seguidores se perguntam quem poderá liderá-lo agora que sua figura emblemática não está mais presente. O Ministro Hakan Fidan, ao anunciar a morte, enfatizou que isso não levará à complacência em relação ao terrorismo, referindo-se a Gülen como líder de uma “organização sombria”.
Num mundo já desgrenhado pelas divisões políticas, a figura de Gülen, com seus ensinamentos de paz e harmonia entre as religiões, deixará um legado complexo, mas indelével, rapidamente pressagiando os desdobramentos das suas doutrinas. Sua vida é um lembrete de como as esperanças e as vehementes discórdias podem caminhar lado a lado, e como isso nos enseja a reflexão sobre o que valorizamos em nossas interações humanas.