Em um mundo cada vez mais dominado pela tecnologia, até mesmo o setor agrícola não escapa da revolução digital. O caso de Valeria Kogan, que começou sua trajetória acadêmica na bioinformática em 2017, ilustra como a interseção entre diferentes disciplinas pode levar a soluções inovadoras. Ao iniciar seu doutorado, Valeria imaginou que sua carreira estaria centrada em matemática, medicina ou biologia. No entanto, com o surgimento do primeiro boom da inteligência artificial no final da década de 2010, surgiu uma oportunidade fascinante em uma área que ela não havia considerado anteriormente: a agricultura.
Valeria, uma experiente bioinformática, recebeu uma proposta inusitada de um amigo de um tomateiro que buscava alguém com conhecimento em IA para aplicar a tecnologia no campo. O que inicialmente parecia uma simples consulta tornou-se um divisor de águas na sua trajetória profissional. Ao perceber que a tecnologia poderia ser utilizada para monitorar a saúde das plantas, Kogan notou que sua formação em bioinformática seria extremamente útil e aplicável a esse novo desafio. “Quando começaram a compartilhar comigo os problemas que enfrentavam, ficou claro que o desafio técnico era muito semelhante ao nosso. Você quer observar e fazer o diagnóstico o mais rápido possível”, disse Valeria.
Assim, ela fundou a Fermata em 2020, uma startup baseada em Tel Aviv que utiliza a visão computacional e a IA para monitorar e diagnosticar doenças ou pragas em cultivos em estufas. O software da Fermata é compatível com qualquer câmera comum e captura imagens das plantações duas vezes ao dia. O modelo de IA desenvolvido pela empresa analisa as imagens e envia alertas sobre infestações ou doenças para os agricultores por meio de um aplicativo. O que torna o trabalho da Fermata ainda mais interessante é o reconhecimento de que, apesar das dificuldades que outras empresas enfrentaram ao tentar implementar a IA nas fazendas, a abordagem da startup conseguiu criar um diferencial significativo.
Kogan destacou que a Fermata se aproxima do mercado com uma curiosidade genuína, buscando entender as necessidades dos agricultores e não apenas impondo tecnologia que eles não pediram. A empresária compartilha uma experiência interessante: “A ideia original era construir robôs que se deslocariam pelas estufas; até já desenvolvemos um protótipo, mas logo percebemos que era um erro monumental.” Não é raro que, em inovações, a implementação preceda o diálogo, mas a equipe da Fermata aprendeu rapidamente. “Quando começamos a conversar com as pessoas, ficou claro que ninguém precisava de um robô naquela situação; foi um mau investimento”, completou Valeria entre risadas.
A Fermata não apenas evoluiu em termos de abordagem, mas sua estratégia de treinamento da IA também se destacou. A equipe optou por manter o rótulo de dados internamente, em vez de terceirizá-lo. Kogan considera essa decisão crucial para a precisão da empresa. Inicialmente, os modelos eram treinados com dados disponíveis publicamente, mas agora eles se baseiam em dados dos clientes, combinados com um centro de pesquisa e desenvolvimento onde infectam plantas com diferentes doenças para aprimorar a eficácia do seu software. A CEO, com um senso de humor saudável, declara: “Amamos clientes que enfrentam muitos problemas, pois isso nos fornece uma grande quantidade de dados. Principalmente se eles lidam com doenças críticas. É péssimo para eles, mas para nós, é uma notícia excelente.”
Quando a Fermata foi lançada, a expectativa era firmar parcerias com empresas já inseridas no mercado agrícola. Contudo, no início de suas operações em 2020, essa estratégia não trouxe muitos resultados. A mudança aconteceu em 2022, quando o mercado começou a abraçar a IA em sua totalidade. Hoje, a Fermata não só trabalha diretamente com agricultores, mas também colabora com grandes empresas agrícolas, como Bayer e Syngenta. Embora a empresa tenha preferido não divulgar métricas de crescimento, já foram instaladas mais de 100 câmeras em várias estufas.
A Fermata também acaba de conquistar um expressivo investimento na forma de uma rodada de financiamento de Série A no valor de 10 milhões de dólares, proveniente totalmente da Raw Ventures, uma empresa de capital de risco europeia. Kogan explicou que, ao buscar esse financiamento, a empresa não sentiu a necessidade de diluir a participação acionária com outros investidores. Este aporte financeiro será utilizado para escalar as operações da Fermata e alcançar a meta de lucratividade até 2026. A CEO compartilhou que, até o momento, a empresa conseguiu crescer sem uma equipe dedicada de vendas, impulsionada principalmente pelo interesse espontâneo de clientes. Contudo, eles estão se preparando para ampliar a equipe e, apesar de atualmente trabalharem apenas com tomates cultivados em estufas, estão expandindo sua atuação para outros cultivos.
Dessa forma, a Fermata não apenas está ajudando a transformar a agricultura com tecnologia avançada, mas também estabelecendo um modelo que pode servir de exemplo para outras startups em setores tradicionais. A combinação de conhecimento técnico e uma abordagem focada nas necessidades do cliente pode ser a chave para o sucesso nesse novo cenário agrícola que se desenha em um futuro promissor.