Recentemente, o governo dos Estados Unidos classificou como genocídio as atrocidades cometidas por membros da Força de Apoio Rápido (RSF) e de suas milícias aliadas durante o intenso conflito civil que assola o Sudão. A declaração do Secretário de Estado, Antony Blinken, na última terça-feira, fez ecoar o clamor mundial por justiça no país e ressaltou a gravidade da situação que já resultou na morte de dezenas de milhares de pessoas em menos de dois anos. O panorama devastador gerado por essa luta pelo poder parece despertar uma indiferença preocupante entre os líderes mundiais, cuja conivência clama por soluções eficazes diante de uma das mais severas crises humanitárias da história recente.

Antony Blinken, em sua declaração oficial, enfatizou que esse “conflito de brutalidade incontida” não é apenas uma questão de números, mas um “catastrófico desastre humanitário” que exige uma resposta firme da comunidade internacional. Com um sistema em colapso, mais de 30 milhões de pessoas estão necessitando de assistência humanitária enquanto 638 mil sudaneses enfrentam a fome extrema considerada a pior da história do país. As milícias da RSF, em particular, são acusadas de atacar deliberadamente civis, perpetrando assassinatos étnicos e outros tipos de violência sexual brutalizada na tentativa de eliminar grupos específicos, revelando assim um padrão preocupante de genocídio assistido pelo estado.

Líder da RSF Mohamed Hamdan Daglo
O líder das Forças de Apoio Rápido (RSF), Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como Hemedti, visto em uma imagem de 2019 em Cartum, Sudão.Reuters

Na sua busca por responsabilização, Blinken anunciou novas sanções contra Hemedti e sete empresas associadas à RSF localizadas nos Emirados Árabes Unidos. Essas sanções incluem a proibição da entrada de Hemedti e sua família nos Estados Unidos. A abordagem dos EUA, ao menos em palavras, busca uma retração imediata das forças da RSF e um cessar-fogo, ao mesmo tempo em que frustra as intermináveis tentativas diplomáticas que visavam restaurar a paz no país.

O cenário de tragédia se agrava a cada dia, com as organizações humanitárias relatando que as milícias têm como alvo os civis que buscam proteção contra a violência desenfreada. As estatísticas são alarmantes, e Blinken destacou casos graves onde homens e meninos, incluindo bebês, foram sistematicamente assassinados por motivos étnicos, enquanto mulheres e meninas enfrentam coleta deliberada para se tornarem vítimas de violência sexual.

Segundo a Human Rights Watch, as milícias da RSF podem estar envolvidas em genocídio contra as comunidades étnicas não árabes, especialmente na região de Darfur, já que diversos ataques sistemáticos foram noticiados desde o início do conflito em abril de 2023. O resultado dessa guerra interna tem sido a intensificação das ações violentas que muitas vezes resultam em mortes em larga escala, uma vez que os civis são impotentes diante de uma luta que não escolheram.

Para complicar ainda mais a situação, o Tribunal Penal Internacional (TPI) está investigando possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos tanto pelos paramilitares quanto pelo exército do Sudão. Ambas as instituições encontram-se sobre uma pressão internacional crescente para agir e garantir que aqueles que perpetraram esses atos sejam responsabilizados.

As causas por trás da guerra civil no Sudão

O conflito que teve início em abril de 2023 segue o colapso do acordo entre os dois generais, que inicialmente eram aliados. A tensão entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e a RSF, que emergiu ao longo de meses de negociação frustrada, culminou em um conflito armado generalizado. Numa tentativa de forçar um novo governo de transição, as negociações falharam e o país mergulhou em um cenário caótico, com ambos os lados mostrando-se intransigentes.

A comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, tentou sem sucesso negociar uma paz duradoura, enquanto as vítimas dessa guerra continuam a sofrer. Há informações precisas de que jornalistas e trabalhadores humanitários estão sendo barrados de acessar áreas afetadas, levantando a questão de quantas vidas já se perderam silenciosamente nesse processo cada vez mais mortífero.

Aniversário de um ano da guerra no Sudão
Yasin Demirci/Anadolu/Getty

Um estudo de outubro de 2023 da London School of Hygiene and Tropical Medicine revelou que a estimativa de mortos durante o conflito em Khartum é ainda maior do que se pensava, com cerca de 61 mil pessoas perdendo a vida — a maioria em consequência de doenças evitáveis e falta de alimentos. Essa realidade, combinada com as baixas relatadas, demonstra não apenas uma guerra física, mas um combate contra a dignidade humana e contra a vida em si.

Chegando ao fim deste relato trágico, Antony Blinken reiterou o compromisso dos Estados Unidos em promover justiça e responsabilização para todos os envolvidos no conflito. A pergunta que ecoa na mente de muitos é: até onde as potências ocidentais estão dispostas a ir para restaurar a ordem em um país que perdeu o rumo da civilização? Essa interrogação nos provoca a refletir sobre o que se espera realmente da comunidade internacional diante de situações onde a vida e a dignidade humana estão em constante risco.

A definição de genocídio: o que diz a ONU

A Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio em 1948, após os horrores da Segunda Guerra Mundial. De acordo com a convenção, o genocídio é descrito como uma série de atos cometidos com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo étnico, nacional, racial ou religioso. Essas ações podem incluir:

• Assassinato de membros do grupo;

• Causar graves danos físicos ou mentais a membros do grupo;

• Impor condições de vida que visem levar à destruição física do grupo;

• Impor medidas destinadas a impedir nascimentos dentro do grupo;

• Transferir à força crianças do grupo para outro grupo;

O mundo observa enquanto o Sudão enfrenta um momento de angustiante reflexão. O futuro é incerto, e as consequências desta guerra civil continuarão a ecoar nas gerações que estão por vir.

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