O dia 4 de outubro de 1883 marcou o início de uma nova era no transporte ferroviário europeu com a partida do renomado Expresso Oriental da Gare de l’Est, em Paris, em sua inaugural viagem em direção a Constantinopla, atualmente conhecida como Istambul. Durante uma viagem de ida e volta que se estendeu por sete dias, os 40 passageiros a bordo, incluindo diversas figuras proeminentes do mundo literário e político, desfrutaram de um conforto ímpar em compartimentos revestidos de mogno e poltronas estofadas em suave couro espanhol. No entanto, a experiência mais luxuosa de todas estava localizada no vagão-restaurante, onde um cardápio elaborado, que incluía iguarias como ostras, frango chasseur e turbot com molho verde, prometia uma culinária digna de elogios. Para acomodar a demanda por uma refeição requintada, uma parte do carro de bagagens foi convertida em um espaço adicional para um refrigerador que armazenava alimentos e bebidas. Os convidados eram atendidos por garçons elegantemente vestidos, que serviam as refeições em porcelanas finas com talheres de prata, tornando cada refeição uma verdadeira celebração.

A beleza e o requinte do restaurante eram acentuados por interiores decorados com drapeados de seda e obras de arte penduradas nas paredes entre as janelas, criando um ambiente que fascinava tanto os passageiros a bordo quanto as pessoas que observavam de fora. O correspondente de um jornal, Henri Opper de Blowitz, que teve o privilégio de viver essa experiência durante a viagem inaugural, descreveu de forma vívida a cena com palavras que ressaltavam o deslumbramento apresentado pelos serviços e pela arrumação impecável das mesas, onde toalhas brancas e guardanapos cuidadosamente dobrados, copos de cristal e garrafas de champanhe reluziam à luz.

A Evolução do Jantar em Movimento nas Ferrovias Europeias

A experiência extraordinária a bordo do Expresso Oriental mais tarde foi imortalizada na cultura popular por escritores renomados, como Graham Greene e Agatha Christie. No entanto, é pertinente assinalar que jantar em movimento representava um avanço notável em logística e engenharia para a época. Apenas quatro décadas antes da inauguração do Expresso Oriental, a ideia de preparar e servir refeições quentes em um trem teria sido considerada quase inimaginável. Nos primórdios das viagens ferroviárias, os passageiros geralmente traziam sua própria comida ou, se os horários permitissem, se alimentavam em cafés das estações. Na Grã-Bretanha, por exemplo, refeições eram servidas em chamadas “salas de refresco” a partir da década de 1840, embora a qualidade dos alimentos fosse frequentemente questionável. O renomado autor Charles Dickens, um viajante frequente nos trens britânicos, descreveu a experiência de uma visita a um desses estabelecimentos, onde adquiriu uma torta de porco, que se assemelhava a “grumos de cartilagem e gordura” que conseguiu “extrair de uma pedreira, como se estivesse cultivando um solo hostil”.

A Invenção dos Vagões-Restaurante e o Legado de George Pullman

Embora os britânicos tenham sido os pioneiros na engenharia ferroviária durante o século XIX, a verdadeira história dos vagões-restaurante começou nos Estados Unidos. Em 1865, o engenheiro e industrial George Pullman deu início a uma nova era de conforto com seus “sleepers”, ou “carros palácio”, e, dois anos depois, lançou um “hotel sobre rodas”, denominado President, que se tornou o primeiro vagão a oferecer refeições a bordo, incluindo especialidades regionais preparadas em uma cozinha de apenas três por seis pés. O sucesso do President levou Pullman a criar o Delmonico, o primeiro vagão exclusivamente voltado para refeições, batizado em homenagem ao famoso restaurante de Nova York considerado o primeiro estabelecimento de alta gastronomia dos Estados Unidos. Nos anos 1870, os vagões-restaurante estavam presentes nos trens sleeper em toda a América do Norte.

No entanto, foi o engenheiro civil e empresário belga Georges Nagelmackers quem trouxe a ideia para a Europa e elevou a experiência a novos patamares. Ele reconheceu o potencial para veículos luxuosos na Europa e começou a transformar a experiência das viagens ferroviárias no continente com a fundação da Compagnie Internationale des Wagons-Lits (CIWL), em 1872. A empresa rapidamente começou a produzir os vagões de jantar e salões mais glamourosos do mundo — não apenas para o famoso Expresso Oriental, mas também para o Nord Express, que ia de Paris a São Petersburgo, o Sud Express, de Paris a Lisboa, entre outros serviços, dominando, assim, as viagens ferroviárias de luxo na Europa continental até o início do século XX. A Wagons-Lits também operava grandes hotéis ao longo de suas rotas, embora o jantar a bordo continuasse a ser o principal atrativo romântico do transporte ferroviário.

O Apogeu dos Vagões-Restaurantes Durante o Século XX

A década de 1920 é considerada a “era de ouro” das viagens de trem no Ocidente. À medida que a Europa se recuperava das devastações da Primeira Guerra Mundial, viajantes a negócios e aventureiros começaram a explorar as possibilidades oferecidas pelos trens a vapor, que ofereciam uma viagem mais suave, silenciosa e rápida. À medida que as rotas da Wagons-Lits se expandiam para o Norte da África e o Oriente Médio, carros de metal de última geração substituíam os antigos vagões de madeira. Designers e artistas de renome foram contratados para decorar os vagões, incluindo os palacianos vagões de jantar. Até o final da década seguinte, a empresa operava mais de 700 vagões-restaurante, mas havia surgido um novo conceito radical: comer no próprio assento. Conhecidos como Lounges Pullman, esses novos vagões foram introduzidos em vários serviços diurnos, onde os passageiros eram servidos diretamente, sem a necessidade de aguardar horários específicos para almoço ou jantar, revolucionando a experiência a bordo.

A Wagons-Lits contratou o decorador René Prou e o mestre vidreiro René Lalique para projetar os novos carros Pullman do Expresso Oriental. Esses veículos apresentavam elegantes marchetarias e painéis de vidro moldado, além de racks de bagagem que foram transformados em verdadeiras joias do estilo Art Déco. Desde 1919, a empresa operava uma cozinha central em um hotel de Paris, responsável pela preparação — e às vezes pré-cozimento — dos alimentos destinados à sua rede ferroviária, aliviando assim a carga dos chefs a bordo. Com a ajuda dessa cozinha externa, a Wagons-Lits servia cerca de 2,5 milhões de refeições anualmente até 1947. Entretanto, esse modelo de produção descentralizada também trouxe o início do declínio dos vagões-restaurante.

A Queda dos Vagões-Restaurantes e o Legado Cultural das Viagens de Trem

Após a Segunda Guerra Mundial, as operativas ferroviárias e o perfil dos passageiros passaram por mudanças significativas. Os trens tornaram-se mais rápidos, reduzindo o tempo disponível para os viajantes durante as viagens; a ascensão do transporte aéreo comercial e o crescimento da posse de automóveis pessoais na Europa durante a década de 1950 significaram que os trens deixaram de ser considerados a forma mais luxuosa de transporte. A lógica econômica da produção de alimentos evoluiu alinhada ao modelo pioneiro das companhias aéreas, em que as refeições passaram a ser preparadas inteiramente fora de suas instalações. Em 1956, a Wagons-Lits inaugurou uma nova cozinha industrial moderna, equipada com sistemas de refrigeração de grande escala e recipientes de armazenamento de carne, onde mais de 250 funcionários preparavam a comida para todos os trens que partiam de Paris. A alimentação começou a ocupar um lugar secundário nas prioridades dos viajantes, e em consequência, as ofertas da Wagons-Lits passaram a dar valor à conveniência em detrimento do conforto, inclusive a introdução de carros de bufê com uma alimentação mais barata e de estilo cafetaria.

À medida que os anos 1960 se aproximaram, a empresa lançou “minibares” portáteis que inicialmente ofereciam 23 produtos, incluindo sanduíches, que eram conduzidos pelo trem para atender os passageiros em seus assentos. O foco das operadoras em relação à alimentação passou a ser a modernidade e a inovação, em vez do opulento, como evidenciado por uma imagem promocional de 1966, onde a área de refeições de um trem expresso entre Paris e Toulouse consolida a velocidade como um atributo a ser destacado. Dessa forma, pelas décadas de 1970 e 1980, as cozinhas praticamente desapareceram das ferrovias europeias. Porém, apesar do aumento do interesse por viagens de trem no continente, os vagões-restaurante, especialmente os dotados de cozinhas, tornaram-se em grande parte uma característica exclusiva dos serviços turísticos. Muitos deles se aproveitam da nostalgia, como o novo serviço do Expresso Oriental, que está programado para ser revivido em 2025, com um vagão-restaurante que pretende “reinterpretar os códigos do trem lendário”, proporcionando uma oportunidade de revisitar uma época em que jantar em um trem não era apenas um luxo, mas sim a própria definição de luxo.

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