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O cenário político nos Estados Unidos está se configurando de forma alarmante, especialmente diante da possibilidade de um segundo mandato de Donald Trump. Autoridades alertam que o movimento nacionalista cristão branco, que registrou forte influência nas cenas do insurrecionismo, não apenas persiste, mas tende a se intensificar. A preocupação sobre o potencial impacto desse movimento nas instituições democráticas do país é cada vez mais recorrente.

As imagens capturadas em momentos críticos, como na insurreição de 6 de janeiro de 2021, revelam a profundidade da devoção religiosa e da ideologia que levam muitos do movimento a emular um modelo de sociedade que acredita ser sua herança. Uma foto marcante daquelas cenas mostra um homem branco diante de uma cruz, sua cabeça curvada em oração, com o Capitólio ao fundo, simbolizando não apenas uma questão de fé, mas um apelo a uma transformação cultural em nome de uma visão sectária de ‘América’.

O que é assustador não é apenas a cena em si, mas o fato de que a fervorosa devoção religiosa que caracterizava a insurreição agora possui representantes dentro das paredes do poder. Com Donald Trump retornando ao cargo, muitos seguidores de sua base radical estão se posicionando em locais chave, prontos para influenciar o futuro político da nação.

Supporters of U.S. President Donald Trump pray outside the U.S. Capitol January 06, 2021 in Washington.

O impacto desse movimento não é meramente simbólico, mas envolve um acesso sem precedentes às estruturas de poder do governo federal. Sob a liderança de Trump, o Partido Republicano agora possui um controle unificado do Congresso, permitindo que temas de nacionalismo cristão se tornem uma realidade palpável. A influência do movimento se reflete nas recentes decisões da Suprema Corte, que têm borrado as linhas de separação entre a igreja e o estado, favorecendo as pautas religiosas.

Trump, em sua atual campanha, não faz segredo sobre suas intenções. Ele se cercou de retóricas e imagens que ressoam com o nacionalismo cristão e propôs medidas que visam restaurar o poder das igrejas e dar suporte a um público que ele assim identifica como ‘meus belos cristãos’. Essa frase, aparentemente inocente, revela um intento de coesão e controle sob a bandeira de uma suposta moralidade cristã.

“Se eu voltar, vocês estarão usando esse poder como nunca antes”, afirmou o ex-presidente em um evento. Por trás dessa afirmação, reside uma promessa temível de uma radical transformação da sociedade americana em linha com os valores conservadores e nacionalistas.

Em uma pesquisa recente, cerca de 80% dos evangélicos brancos manifestaram apoio ao ex-presidente, refletindo uma crescente força do movimento em meio aos eleitores. Estima-se que dois terços dos protestantes evangélicos brancos nos EUA se considerem simpatizantes ou aderentes ao nacionalismo cristão, um fator alarmante para a pluralidade da sociedade americana.

Cristian nacionalistas são acusados de promover uma forma de “Cristianismo Impostor”, encobrindo ideologias como sexismo e hostilidade para com minorias. Este desejo por criar uma ‘América cristã’ se torna um chamado à exclusão para aqueles que não se encaixam no ideal promovido por esse grupo.

Diante de tal ascensão, a pergunta é: o que os americanos podem esperar nos próximos quatro anos? O que essa nova era significará para aqueles que não se veem representados por essas ideologias? Kristin Kobes Du Mez, uma das principais autoridades em nacionalismo cristão e autora do best-seller ‘Jesus and John Wayne’, oferece uma perspectiva crítica sobre essa transição.

Duma afirma que a ideia de declarar os EUA como uma nação cristã pode parecer, à primeira vista, inofensiva, mas discorda profundamente que o nacionalismo cristão seja compatível com a democracia americana. Ela enfatiza que essa visão não favorece a pluralidade, mas busca seize (tomar para si) o poder e usar esse poder para instaurar uma ‘América cristã’.

Durante uma entrevista recente, Du Mez abordou diversas questões relevantes sobre o futuro do movimento nacionalista cristão, explicando que a vitória de Trump não apenas encorajará, mas institucionalizará práticas que moldarão a política e a sociedade americana de forma abrangente.

Como a agenda nacionalista cristã impactará a vida das pessoas comuns?

Prevê-se que, com essa virada política, a agenda nacionalista cristã transformará o sistema de ensino público, com propostas para eliminar o Departamento da Educação e privatizar a educação. A luta contra a Teoria Crítica da Raça e a agenda anti-woke, já observadas em estados específicos, agora podem se espalhar por todo o país.

Haverá possibilidade de banimento de livros com materiais considerados inadequados?

Livros que abordem temas LGBTQ ou que sejam considerados políticos e prejudiciais provavelmente serão alvos de remoção nas escolas e nas bibliotecas. Isso não é apenas uma questão de censura, mas parte de um esforço maior para redefinir os direitos humanos e civis dentro de sua interpretação proposta de leis divinas ou naturais.

Dentro dessa perspectiva, não há aствами de direitos ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao aborto ou a direitos mais amplos para a população LGBTQ. A leitura da Constituição através da lente do nacionalismo cristão implica uma erasure do que tradicionalmente entendemos como direitos constitucionais, substituindo-os por uma agenda claramente definida por esse movimento.

Por que os nacionalistas cristãos são hostis ao Departamento da Educação?

A oposição ao Departamento de Educação não é nova entre os nacionalistas cristãos. As escolas são vistas como locais robustos de formação de crianças e, dentro dessa ideologia conservadora, existe uma ênfase fortíssima nos direitos dos pais em moldar os valores de seus filhos. Quando o governo intervém nesse processo, muitos acreditam que isso infringe seus direitos dados por Deus.

Com a vitória de Trump, ele será reverenciado ainda mais por esses círculos?

A resposta é um retumbante sim. Entre os círculos nacionalistas cristãos, sua vitória será celebrada como uma validação divina de sua agenda. A crença de que Trump representa o ‘líder escolhido por Deus’ se tornou uma afirmação amplamente aceita nessa comunidade.

Essa perspectiva, que já vinha sendo alimentada desde sua primeira eleição, se intensificou após tentativas contra sua vida, quando muitos de seus apoiadores interpretaram sua sobrevivência como um milagre, conforme pessoas em sua base também acreditarem que ele tem um propósito divino.

O nacionalismo cristão e o patriarcado militante são interligados. O que isso representa?

Nacionalismo cristão sugere que os Estados Unidos são uma nação cristã e promove uma visão de uma sociedade centrada em uma estrutura familiar patriarcal, onde os homens exercem a liderança e as mulheres são vistas pré-determinadamente em papéis tradicionais. Aqueles que defendem essa ideologia acreditam que essa configuração é o caminho para o verdadeiro florescimento humano.

E quanto ao apoio a líderes políticos como Kamala Harris?

Jamais. Não há possibilidade de líderes nacionalistas cristãos apoiarem uma figura como Kamala Harris, independentemente de suas ações.

Essa é uma posição inabalável, dada a combinação de seu gênero e raça que, a seu ver, desqualificariam qualquer pessoa a receber tal apoio. O cristianismo militante se nutre de uma mentalidade de ‘nós contra eles’, que promove uma hostilidade intrínseca a qualquer divergência.

Desejos de confronto e militância são reflexos de um ambiente que considera a resistência interna como uma ameaça à ‘América cristã’, resultando em conflitos com qualquer dissidência contra essa visão. Esse conflito alimenta a incessante narrativa de um ‘inimigo interno’, um conceito que Trump acena fortemente em suas manifestações recentes.

Trump está se tornando um líder tão transformador para os evangelicais brancos quanto Billy Graham?

Sim, ele se tornou uma figura de transformação, mas essa mudança deriva das profundas raízes do nacionalismo cristão que se espalham por décadas. A retórica que emerge dessa movimentação reflete a postura de pastores evangélicos e fundamentalistas ao longo da história política.

Ao reconhecer que Trump oferece uma promessa de poder aos conservadores evangélicos brancos, os apoiadores se sentem energizados a se unirem em busca de legitimidade e força em sua crença fundamental.

Aqueles que não compartilham as crenças do nacionalismo cristão, onde encontrarão seu espaço?

Um grave desafio para os evangélicos que não subscrevem o nacionalismo cristão é o crescente pressionamento para se alinharem com essa agenda. O clima se mostra hostil àqueles que tentam discorrer ou questionar verbalmente qualquer suporte à agenda de Trump.

Se tudo isso ocorrer, como será a vida no país?

O futuro vislumbra a criação de uma sociedade de dois níveis, onde a verdadeira liberdade será transformada em uma conformidade estrita a normas religiosas. Para aqueles que não se encaixam no molde, a invisibilidade será a regra, e as leis refletirão uma agenda profundamente desigual e sectária, aniquilando os direitos constitucionais que garantem a pluralidade.

A ideia será de que a verdadeira liberdade é seguir as leis de Deus, levando a uma definição de liberdade que não acolhe a diversidade, mas impõe uma narrativa unificada. A história americana, que deveria ser um testemunho das lutas e vitórias de um povo diverso, se tornará uma construção ideológica feita sob os princípios da nova ordem social imposta pelo nacionalismo cristão.

A woman holds a crucifix during a prayer at a campaign rally for former President Donald Trump

As tensões estão fraquejando a sociedade, enquanto se avizinha uma poderosa onda de conservadorismo que, habitantes que exercitam o direito à liberdade determinando o curso de suas vidas, podem se ver frente a um futuro sombrio, onde suas vozes serão reduzidas ao silêncio sob o peso das ideias do nacionalismo cristão.

Somado a isso, há elementos mitigadores, como divisões dentro do próprio movimento, a resistência de agências governamentais e a ingerência judicial que podem fornecer alguma esperança de oposição a essa radicalização em curso. As próximas eleições serão um termômetro para o verdadeiro estado dessa crescente influência e o impacto que ela terá sobre o futuro do país.

John Blake é um escritor sênior da CNN e autor do aclamado livro “Mais do que eu imaginei: O que um homem negro descobriu sobre a mãe branca que nunca conheceu”.

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