Em um cenário global onde os sistemas de saúde pública enfrentam um momento crítico de readequação após os impactos da pandemia, o Reino Unido se destaca como um exemplo eloquente. A pressão sobre os serviços de saúde está se intensificando, especialmente devido ao aumento da população idosa, levando a manchetes preocupantes como ‘NHS em crise’. Nesse ambiente, empresas privadas, muitas delas impulsionadas por tecnologias inovadoras, começam a enxergar oportunidades em um mercado desafiador. É nesse contexto que a Cera, uma plataforma de software proprietária e provedora de cuidados de saúde domiciliares no Reino Unido, anunciou recentemente a captação de 150 milhões de dólares através de uma combinação de dívida e capital. Embora a empresa tenha revelado que a maior parte dos fundos captados é de dívida, a Cera optou por não divulgar a divisão exata entre dívida e capital, assim como sua avaliação de mercado.

A rodada de investimentos foi liderada por fundos vinculados à BDT & MSD Partners e à Schroders Capital, com o objetivo de escalar a plataforma da Cera. A empresa posiciona sua tecnologia como altamente impulsionada por inteligência artificial, utilizando um modelo proprietário baseado em seus próprios dados. Cera reconhece, entretanto, que também faz uso de alguns aspectos das plataformas de IA desenvolvidas pela Google e Microsoft, como o Gemini e a versão do ChatGPT, respectivamente.

No passado recente, especificamente em 2022, a Cera já havia levantado 320 milhões de dólares (aproximadamente 260 milhões de libras) em um financiamento de dívida e capital, com uma divisão que se aproximava de 50% para cada tipo de financiamento. De acordo com informações da CrunchBase, a empresa já conta com 14 investidores, incluindo nomes reconhecidos como Earlymarket, Guinness Ventures, DigitalHealth, London Accelerator e Robin Klein, um investidor veterano do Reino Unido.

Um porta-voz da Cera declarou que, apesar de esses resultados ainda não serem refletidos em registros públicos, a empresa se tornou positiva em EBITA em 2023 e espera se tornar positiva em fluxo de caixa livre em 2024. Essa condição de saúde financeira é descrita como fundamental para justificar a captação de novos recursos através de dívida. Em uma entrevista ao TechCrunch, Dr. Ben Maruthappu MBE, fundador e CEO da Cera, comentou: “Estamos caminhando para a lucratividade, além de termos uma forma bastante significativa de como estamos utilizando nossa tecnologia e IA, o que nos permitiu expandir a gama de serviços oferecidos em domicílio”.

Os cuidadores da Cera utilizam um aplicativo para planejar suas atividades e registrar os sintomas dos pacientes. Com o auxílio da modelagem de IA, a Cera consegue transformar dados não estruturados — como registros que indicam que um paciente caiu durante a noite — em informações úteis para prever potenciais riscos de enfermidade ou lesão. A empresa afirma que essa abordagem resultou em uma redução das internações hospitalares de até 70%, além de uma diminuição de 20% nas quedas de pacientes e um aumento de até cinco vezes na velocidade das altas hospitalares.

A Cera já captou mais de 407 milhões de dólares até o momento em uma mistura de capital e dívida, e compete com empresas no Reino Unido como Home Instead e Bluebird Care, que utilizam aplicativos não proprietários para direcionar suas equipes. Nos Estados Unidos, empresas como Signify Health e CVS Health, além da Honor, que captou até agora 625 milhões de dólares, são comparáveis à Cera em termos de serviço.

Maruthappu reiterou a importância do papel da Cera em aliviar a carga sobre o NHS, permitindo que este tenha mais capacidade para cuidar de outros pacientes. Ele destacou que a empresa expandiu seus serviços para incluir assistência de enfermagem, fisioterapia, cuidados para pessoas com deficiências e serviços de saúde mental em domicílio. “Portanto, somos um provedor de cuidados de saúde em casa muito mais abrangente”, afirmou.

Além disso, Maruthappu enfatizou que a parte baseada em IA do negócio é impulsionada pelos dados coletados: “O outro grande diferencial que temos é o que estamos fazendo com a tecnologia, mais especificamente a IA… Estamos registrando informações sobre os pacientes a partir dessas visitas em nosso aplicativo, o que nos deu agora um dos maiores conjuntos de dados sobre cuidados de saúde domiciliares do mundo, definitivamente o maior na Europa, e conseguimos analisar esse conjunto de dados de várias maneiras diferentes para construir algoritmos, que permitem prever quedas e internações antes que aconteçam”, explicou. Segundo ele, a Cera é capaz de prever mais de 80% das quedas uma semana antes de elas ocorrerem, levando a uma redução efetiva nas quedas em mais de 20%. Além disso, a empresa consegue prever cerca de 83% das internações hospitalares, novamente uma semana antes de acontecerem, resultando em uma redução de até 70% das hospitalizações.

Rob Platek, parceiro e chefe global de crédito da BDT & MSD, complementou em uma declaração: “A Cera alcançou um crescimento robusto por meio de uma habilidade demonstrada em alavancar a tecnologia para fornecer cuidados excepcionais. Acreditamos que a Cera está bem posicionada para expandir ainda mais seus negócios”. Atualmente, a Cera afirma ser o maior provedor de saúde não-NHS no Reino Unido, atendendo cerca de 30 milhões de pessoas com 10.000 cuidadores e enfermeiros, e colaborando com mais de 150 governos locais e dois terços dos sistemas de cuidados integrados do NHS.

A análise independente realizada pela consultoria britânica Faculty encontrou evidências de que o modelo de cuidados domiciliares liderado por IA da Cera economiza para o sistema de saúde do Reino Unido cerca de 1 milhão de libras por dia. No entanto, a Cera parece determinada a se distanciar de experiências negativas de startups de saúde em sua trajetória, como demonstrou o caso da Babylon Health, que eventualmente faliu após tentar operar apenas com um chatbot.

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