A cúpula de três dias do BRICS, que se inicia nesta terça-feira na cidade de Kazan, na Rússia, está sendo amplamente observada no cenário internacional, especialmente após quase três anos desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. O evento apresenta um desafio direto à narrativa ocidental de que Vladimir Putin estaria isolado globalmente, ao reunir mais de uma dúzia de líderes mundiais em um momento decisivo. Trata-se de um claro sinal do presidente russo de que, longe de estar sozinho, ele conta com o apoio de uma coalizão emergente de nações em meio a um cenário global em transformação.
A expansão do BRICS e sua importância geopolítica
A cúpula em Kazan marca a primeira reunião do BRICS após a expansão do grupo, que anteriormente contava com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e agora inclui Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Entre os líderes confirmados estão o presidente chinês Xi Jinping, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, este último representando países de fora do grupo. É importante destacar que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva cancelou sua participação devido a uma lesão, o que realça a relevância da presença dos outros líderes.
Este encontro é considerado o maior evento internacional que Putin já recebeu desde o início da guerra na Ucrânia, revelando uma crescente convergência entre nações que buscam um estranho equilíbrio de poder global e, em alguns casos, como Moscou, Pequim e Teerã, desejam desafiar a liderança dos Estados Unidos. Analistas apontam que o objetivo de Putin, junto de outros líderes do BRICS, é transmitir uma mensagem clara: são os países ocidentais que estão isolados, enquanto um “majority global” apoia a resistência a essa hegemonia.
As dinâmicas internas do BRICS e a busca por unidade
O presidente russo não hesitou em afirmar a crescente influência econômica e política dos países do BRICS como um “fato inegável”, destacando que, se estes países se unirem, poderão se tornar uma força substancial na nova ordem mundial. No entanto, ele se apressou em esclarecer que o BRICS não deve ser visto como uma “aliança antiocidental”. Essa afirmativa indica uma tentativa de Putin de camuflar as profundas discrepâncias de interesse entre os membros do grupo, o que, segundo especialistas, pode limitar a capacidade da reunião de enviar uma mensagem unificada – algo que Putin claramente desejaria.
Contextualmente, essa cúpula ocorre em um momento crítico, com as eleições nos Estados Unidos a poucos dias de distância. A possível vitória do ex-presidente Donald Trump pode alterar significativamente a postura dos Estados Unidos em relação à Ucrânia, potencialmente provocando mudanças nas alianças tradicionais de Washington. Este fator adiciona uma camada extra de importância às discussões em Kazan.
A crise no Oriente Médio e suas repercussões
A crise no Oriente Médio, especialmente o recente conflito entre Israel e os aliados do Irã, também deverá dominar as conversas que ocorrerão durante a reunião. O presidente russo confirmou a participação de líderes importantes, como o presidente palestino Mahmoud Abbas, o que indica uma intenção de Moscou de explorar a insatisfação do Sul Global em relação à postura dos EUA e seu apoio a Israel. Aqui, tanto a China quanto a Rússia defenderão um cessar-fogo, contrastando com a postura dos Estados Unidos, que apoiam o direito de Israel de retaliar os ataques de grupos militantes.
Muitos dos líderes presentes veem a situação na região como um exemplo claro da necessidade de uma nova configuração de poder global, mas há uma expectativa cautelosa de que esses países usem essa narrativa mais para criticar as ações ocidentais do que para resolver efetivamente a crise.
As complexidades da identidade do BRICS em um mundo em mudança
Embora reuniões como esta possam impulsionar a colaboração econômica e propor soluções para pagamentos fora do sistema financeiro dominado pelo dólar, as divisões internas do BRICS e os diferentes objetivos dos líderes do grupo podem dificultar o avanço em uma agenda comum. Desde sua fundação, o BRICS tem história de conflitos entre seus membros, como as tensões entre Índia e China, que, mesmo sendo pilares do bloco, frequentemente têm agendas divergentes.
A realidade é que, enquanto o BRICS continua a expandir sua influência e mais de 30 países demonstram interesse em se juntar ao grupo, as linhas geopolíticas que dividem o mundo apenas se aprofundam. A tentativa de transformar o BRICS em uma plataforma de resistência ao domínio ocidental, como desejam China e Rússia, pode não ressoar com novos ou potenciais membros, que buscam crescimento econômico e pragmatismo, em vez de um alinhamento ideológico.
Conclusão: A cúpula como indicador de novos tempos
A cúpula do BRICS em Kazan não apenas reflete a tensão geopolítica atual, mas também serve como um indicativo da mudança na dinâmica do poder global. À medida que os líderes debatem temas importantes, como cooperação econômica e alternativas ao sistema financeiro ocidental, buscam criar um novo paradigma em suas relações internacionais. Resta saber se serão capazes de superar suas diferenças e se este encontro se tornará um marco para uma nova era de alianças estratégicas que visam ir além de um mero contraponto à influência ocidental. Em um mundo em veloz transformação, como o que vivemos atualmente, essa reunião pode ser tanto uma oportunidade quanto um desafio.”